Releitura do Éxodo 3: enquanto vejo Tupiniquins e Guaranis sendo mortos pela Aracruz Celulose
– Prêmio Páginas Neobíblicas da Agenda Latinoamericana Mundial 2003 – primeiro lugar.
Muito tempo depois morreu o Imperador do Mal, e os Filhos do Sol, gemendo sob o peso da escravidão e da extinção, clamavam, e do fundo da escravidão e da extinção o seu clamor subiu até Tupã.
E Tupã ouviu os seus lamentos e gemidos; Tupã lembrou-se do dia em que dançou com os grandes caciques, com os grandes pajés, com os grandes xamãs com os grandes anciãos. Tupã viu o os Filhos do Sol e os conheceu e se compadeceu.
Eis que caçava e pescava Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe, as margens do Araguaia, próximo aos Karajás, num território que já não pertencia a ele, nem aos seus semelhantes, muito menos aos seus antepassados e isso aumentava ainda mais o sofrimento que trazia em sua alma.
E Tupã lhe apareceu no meio dos toros. Os toros originaram o Quarup. E os toros dançavam, como se estivessem vivos e estavam. E os toros dançavam ao som do canto dos pássaros da floresta, ao som de tambores que Galdino nunca tinha ouvido antes.
E Galdino disse: “Darei uma volta e verei este fenômeno estranho, verei por que os toros dançam, como se vivos estivessem, como se guerreiros fossem”.
E Tupã viu que Galdino deu uma volta para ele ver.
E Tupã o chamou: “Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe”.
Galdino respondeu: “Eis-me aqui”.
Tupã disse: “Eis a Criação! Dance! Dance para te aproximar. Eis a Pacha Mama de teus antepassados, eis a Grande Gaia! Eu sou Tupã! Eu sou Tupã!”
E Galdino dançou, e ouviu os cantos dos pássaros e dos tambores. E dançou ao redor dos toros onde estava Tupã.
E disse Tupã: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está nesta terra continental. Ouvi o seu clamor, o seu lamento por causa dos opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de liberta-lo da mão do Mal, e para faze-lo subir desta terra a uma terra boa e vasta, terra onde se pesca e caça, onde se planta e colhe, terra onde não existe a morte, onde não há extinção, terra em que não há exclusão. Agora o clamor dos Filhos do Sol chegou até a mim, e também sinto a opressão com que o Mal está oprimindo. Vai, agora, pois eu te enviarei para subir desta terra e ir para o lugar que se chama Yvy marã ei, onde dançaremos a feliz dança da vida”.
Então Galdino disse a Tupã: “Como farei sair os Filhos do Sol para a terra sem males?”
“Eu estarei contigo”, disse Tupã.
E disse ainda: “Vai, reúne os caciques e anciãos e diga-lhes: “Tupã, o Deus de nossos pais, de nossas mães, me apareceu dizendo: “Subirão todos para Yvy marã ei, e dançarão a dança da vida”.
Mas disse Galdino: “Não nos deixarão sair. Seremos assassinados... Destruirão nossa cultura. Nos queimarão vivos enquanto dormimos!”
E disse Tupã: “Estenderei minha mão e ferirei aquele que se diz poderoso. Neste dia a onça pintada não sairá para caçar, o jacaré não entrará no rio, as piranhas não se alimentarão, os pássaros não irão voar nem cantarão, pois Tupã ferirá a casa d’Aquele que se diz poderoso. Se ouvirá em toda a floresta, vale ou campina, na praia ou sertão, o som da guerra em favor do meu povo. E quando todo o povo indígena partir, uma vida nova estará nascendo por essa nova estrada em que caminham os meus guerreiros, as minhas guerreiras.Eis a terra que lhes dou: Yvy marã ei!”
E Galdino saiu da presença de Tupã com seu espírito fortalecido.
Sentira agora, coisas que o sofrimento apagara de seu coração guerreiro.
Correndo pela floresta fez a experiência plena na certeza da vitória, pois Tupã desceu e se fez indígena no meio do seu povo.
Emerson Sbardelotti
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
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