MIQUEIAS* - livro do mês da Bíblia - setembro de 2016
O livro: Os sete capítulos do livro alternam, num ritmo ternário, perspectivas de julgamento (1,1 - 2,11; 3,1-12; 6,1 - 7,6, em que se misturam censuras, ameaças, sentenças de condenação, lamentos...) e oráculos de salvação (2,12-13; 4 - 5) ou liturgia de esperança (7,7-20). Tal organização confere ao conjunto uma coloração nitidamente escatológica. A autenticidade de certo número de peças ainda é objeto de discussão. Mas ao menos se atribui a Miqueias de Moréshet o essencial dos três primeiros capítulos, que embasam o núcleo de um trabalho redacional de amplitude e importância variáveis, segundo os críticos.
O homem e seu tempo: Originário da baixada, a sudoeste de Jerusalém, o profeta teria exercido seu ministério sob os reinados de Iotam, Acaz e Ezequias (1,1), entre 740 e 687 a.C. Contemporâneo do profeta Isaías, deve ter vivido, como ele acontecimentos dolorosos, decisivos para o futuro de Israel: primeiro, a queda de Samaria e a ruína definitiva do reino do Norte em 722. Miqueias anuncia esses fatos no marco de uma grandiosa teofania de julgamento (1,3-7). Depois, a invasão do reino do Sul pelo rei assírio Senaquerib, em 701. Essa campanha deve ter deixado a terra em tal estado de desolação que o profeta não pôde deixar de chorar sobre sua pátria arruinada e de entoar o emocionante lamento de Mq 1,8-16. Desse modo, mostra até que ponto, ele, o mensageiro do julgamento, se solidariza com seu povo, diante de cuja sorte não pode ficar insensível. Mas, apesar disso, o livro permite entrever que ele viveu numa solidão amarga, visto que devia se insurgir tanto diante das classes ricas (2,1-5) e dos responsáveis: príncipes, sacerdotes, profetas (3), como diante de todo o povo (1). Mas é com coragem que ele os enfrenta, na consciência de estar sendo guiado pelo Espírito do Senhor (3,8).
A mensagem: Miqueias deixará na história a marca de um profeta de desgraças (Jr 26,18). Mas, na verdade, a ruína de Samaria (1,6-8) e a de Jerusalém (3,12) representam para ele apenas etapas de um único projeto divino: o mesmo "golpe de IHWH" (1,9), como uma onda, se estende de Samaria a Jerusalém. Que não se veja, porém, nessa catástrofe a mão de uma cólera cega, mas o julgamento de um Deus que já não suporta a traição. Antes de condenar, Miqueias acusa. Múltiplas são as censuras: a idolatria de Israel do Norte (1,6), mas sobretudo a escandalosa injustiça social em Judá. O profeta se dirige particularmente aos ricos e aos chefes: a venalidade das figuras de destaque toma dimensões assustadoras. Nem mesmo os profetas são poupados. Em trocas de jarras de vinho (3,5-11), "eles constroem Sião no sangue e Jerusalém no crime". O mal se encontra de tal forma enraizado nos corações que Samaria e Jerusalém tornam-se a personificação viva do pecado e do crime (1,5). E tudo isso, numa boa fé fundada numa concepção equívoca da aliança: "o Senhor não está no meio de nós? Não, a desgraça não cairá sobre nós". Falsa segurança, denuncia Miqueias, que passa a proclamar a ruína total da cidade santa (3,13). Será a última palavra de Deus? Não, se se vir no anúncio do juízo o último apelo à conversão. Para além da catástrofe, o livro abre largos horizontes de esperança e paz. Ele tenta conciliar as duas grandes linhas da escatologia veterotestamentária, a do Deus que vem estabelecer seu reinado e a do Messias há séculos aguardado. Quando, no momento de maior provocação, a situação parece desesperadora para um Israel deslocado, para os membros esparsos em meio às nações, o próprio IHWH empreende a reunião das ovelhas dispersas: ele toma a frente do rebanho, para conduzi-lo ao aprisco de Sião, onde estabelecerá seu reinado. E ele transformará "esse resto manco e doente em uma nação poderosa" (2,12-13; 4,6-8). E ela encontrará sua unidade na pessoa do Messias, da linhagem de David e nascido em Belém, como seu ilustre antepassado (5,1-2). Exercendo seu poder em nome de IHWH seu Deus, o novo David se tornará fonte de paz para o mundo (5,4). E é pela mediação da comunidade escatológica assim estruturada, "o resto de Jacó" renovado, que a vingança de Deus virá sobre as nações endurecidas em sua recusa à conversão (5,6), ou, ao contrário, que a bênção divina se expandirá como orvalho fecundante sobre os povos em busca de Deus (5,7). Jerusalém será erigida em pólo de atração universal: uma visão grandiosa de alto teor espiritual, o profeta vê acorrer a ela, em imensa peregrinação, todas as nações do mundo, para encontrar Deus e acolher ali sua Palavra. Todas as falsas seguranças humanas, todos os cultos mentirosos, todas as práticas idólatras serão varridas. A humanidade nova se entregará inteiramente a Deus, esperando a salvação apenas da iniciativa divina (5,9-14), e o Senhor "lançará ao fundo do mar todos os pecados" (7,19).
* Introdução da A BÍBLIA TRADUÇÃO ECUMÊNICA. São Paulo: Paulinas / Loyola, 1995.
** Arte: Luís Henrique Alves Pinto (MG)
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