quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

LIBANIO: UM DOS MAIORES TEÓLOGOS DA IGREJA CATÓLICA

Faleceu nesta manhã em Curitiba, 30/01/2014, durante uma atividade apostólica (orientação de um retiro), o Moreno de Nazaré chamou para si o amigo, professor, mestre e doutor em Teologia de varias gerações de pensadores e uma das mentes mais brilhantes da Teologia da Libertação e da Igreja Católica Apostólica Romana: Padre João Batista Libanio, sj. O enterro será em Belo Horizonte. Daqui poucos dias o professor Libanio completaria 82 anos.
Nesta manhã, Padre Libanio levantou-se bem, nadou na piscina, tomou o café e se dirigiu para a sala, onde iria fazer a motivação matinal do retiro das Irmãs de Sion, em Curitiba. Ouviu-se um grito. Ao que parece, um ataque cardíaco fulminante. Faleceu momentos depois.
Tive o imenso prazer de ter sido seu aluno, de mandar para ele meus livros e minha monografia sobre a Ecoteologia da Libertação, e ele sempre com muito humor e carinho me dizia que eu estava no caminho certo. Em nossa última conversa, dias antes de começar a Ampliada Nacional da Pastoral da Juventude, falávamos sobre a juventude, sobre o processo da educação da fé e ele sempre me pedia, me dizia isso: "que tenham coragem de lutar por uma pastoral livre, corajosa e libertadora"!.
Obrigado professor querido por tudo o que semeou entre nós...a Teologia e a Teologia da Libertação perde um de seus maiores mantenedores do diálogo e do respeito.

Emerson Sbardelotti



ENTREVISTA COM JOÃO BATISTA LIBÂNIO

EM ABRIL DE 2002



João Batista Libânio, padre jesuíta, teólogo, educador e escritor, Belo Horizonte/MG

Esta entrevista foi concedida ao Jornal ESPERANÇA JOVEM, da Pastoral da Juventude, da Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Cobilândia, Vila Velha-ES.

Entrevistado por Emerson Sbardelotti Tavares



EMERSON – O que é a Teologia da Libertação? É a única teologia da América Latina? É a melhor?

LIBÂNIO: A Teologia da Libertação é, antes de tudo, uma libertação da Teologia. Ela quer ser uma teologia para a nossa situação e não simples xerox da teologia de outros países. Ao querer ser uma teologia para a América Latina, ela parte dos problemas da América Latina. Ora o maior problema que nós vivemos é a situação de opressão, de exploração das grandes massas populares. E a única maneira de superar uma situação de dominação é lutar pela libertação. Queremos, como cristãos, embarcar nessa luta pela libertação dos pobres, motivados e iluminados pela nossa fé.

A TdL é a teologia que motiva e ilumina o cristão na luta pela libertação. Por isso se chama Teologia da Libertação. Ela não organiza, nem faz a libertação. Isso fazem os homens e mulheres que estão lutando. Ela quer simplesmente ajudar esses homens e mulheres, que são cristãos, a verem o que a sua fé diz sobre tal luta, motivando-a, iluminando-a, criticando-a nos pontos em que possa ter entrado algo de anti-cristão. O papel da TdL é muito importante para sustentar a fé do cristão comprometido. Pois vimos com tristeza no passado muitos cristãos que, ao engajarem-se na luta, perderam a oposição entre fé e política, entre fé e luta libertadora, entre fé e compromisso social. Mostrar isso é uma das maiores tarefas da TdL.

Ela não é a única teologia da América Latina, mas aquela que nasceu aqui e se orienta para a nossa situação. Não se trata de comparar mas de ver sua relevância e pertinência para nossa situação latino-americana.


EMERSON – As CEBs são ainda um fenômeno ou não representam mais um novo jeito de ser Igreja?

LIBÂNIO: As CEBs são ainda verdadeiro jeito de ser Igreja. Mas há vários tipos de CEBs. Há aquelas que amadureceram. Há outras que fraquejaram e outras que desapareceram.
As CEBs têm manifestado uma capacidade criativa no campo da liturgia precisamente lá onde o ministro ordenado não chega regularmente. Elas continuam revelando um compromisso libertador, firme e decidido, sem talvez a aura militante de outras décadas, mas não menos sério e eficiente. Enfim, aí esta a vida das CEBs em sua beleza simples e corajosa.

EMERSON – Num mundo globalizado e globalizante, qual é o cenário de Igreja que sobressai atualmente na América Latina e Brasil?

LIBÂNIO: Predomina ainda na Igreja Católica, o cenário da Instituição. A preocupação interna com sua estrutura ainda é muito acentuada. No entanto, há sinais de um forte sopro carismático que vivifica toda a Igreja e flexibiliza suas instituições. Há crescente apreço à Palavra de Deus, às liturgias da Palavra, ao estudo da fé. E também ainda permanece animador em muitos setores da Igreja um entusiasmo no compromisso com o processo libertador dos pobres.

EMERSON – O que deve representar o estudo da teologia para a PJB? E o que a PJB deve representar para a teologia?

LIBÂNIO: Muito. A teologia é a busca de intelecção de fé. Na idade jovem se é mais exigente quanto as razões para crer. Deixa-se de ser criança que freqüenta a religião pelas mãos dos pais. Agora o jovem anda com suas pernas. Em termos de fé, significa aprofundá-la. E para fazê- lo, nada melhor que a teologia. E, por sua vez, a teologia também deve levar em consideração as perguntas que os/as jovens lhe levantam. Eles/as são como a febre do organismo da sociedade. Revelam a existência da infecção sem talvez apontar para qual ela seja exatamente. E a teologia percebendo tal aviso e alarme mergulha no problema e aprofunda.

EMERSON – Qual a mensagem que o sr. daria para os nossos grupos de base da PJB?

LIBÂNIO: Num mundo de desesperança e desânimo, ser um sinal de coragem e engajamento. Num mundo que só valoriza o presente, acreditar no futuro, forjando utopias. Num mundo hedonista, mostrar que o verdadeiro prazer está na entrega de si aos outros. Num mundo de corrupção política, exercer vigilante controle sobre a administração pública para evitar a malversação dos bens públicos. Num mundo de violência, revelar a liberdade e transparência acolhedora da tolerância e do amor. Enfim, anunciar em palavras e ações que é possível criar uma sociedade alternativa a esta que aí está, começando já no seu meio juvenil o ensaio do mundo futuro de fraternidade, igualdade, acolhida, paz e amor.

EMERSON – Pe. Libânio, nas comemorações de 75 anos de tua existência só temos agradecer a sua valiosa contribuição para o crescimento de nossos jovens, de nossas jovens na caminhada de PJB. Muito obrigado!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O RESPEITO AO DIFERENTE

O RESPEITO AO DIFERENTE

Vivemos numa sociedade localmente globalizada, onde nossas ações, experiências e vivências são globalmente locais.
Vivemos numa sociedade em que o pluralismo cultural e religioso dita a moda, a mídia e tudo o mais que se relaciona com o agir do ser humano. Eles se impõem, independente se você aceita ou não.
O meu e o seu ponto de vista deveria ser sempre a vista de um ponto.
Mas, infelizmente, não é assim que as coisas funcionam nesta sociedade em que o fundamentalismo religioso, o preconceito, impede o respeito, o encontro e o debate com o outro, com o diferente.
Como é possível viver uma religião, se esta e seus interlocutores não religam a terra com o céu, o profano com o sagrado, o corpo com a alma, o homem e a mulher?
Como é possível viver uma religião, se esta e seus pastores e padres não se sentem à vontade para dialogar com sinceridade e fraternura? E passam para seus rebanhos que o outro não está salvo por crer diferente, que é herege, infiel e diabólico!
Revisar a vida é um passo muito importante, mas quem hoje em sã consciência tem coragem para admitir os próprios erros? Sem que estes erros sejam usados nos programas religiosos das madrugadas na TV para aguçar o emocional humano psicologicamente perturbado, por isso, aberto a qualquer investida paliativa do sagrado.
Foram 20 séculos de exclusivismo cristão. Foram dois mil anos em que o cristianismo tem pensado – local, global, oficial e majoritariamente – ser a única religião verdadeira, enquanto todas as outras religiões seriam falsas.
Há religiões muito mais antigas que o cristianismo!
Há conceitos éticos e morais, muito mais acessíveis do que a ética e a moral cristã.
Cristo era cristão?
Ele não conviveu com pessoas diferentes e suas diferenças no seu tempo?
Onde estão os profetas e as profetisas, onde estão as discípulas e os discípulos que anunciam e denunciam?
A profecia morreu?
Como podemos entender o grito, o choro e o lamento dos primeiros habitantes da Nossa América, que ao atualizarem o memorial-fonte, relembram, com lágrimas e dores as violências cometidas pelos europeus?

“Nós índios dos Andes e da América, decidimos aproveitar a visita de João Paulo II para devolver-lhe sua Bíblia, porque em cinco séculos ela não nos deu nem amor, nem paz, nem justiça. Por favor, tome de novo sua Bíblia e devolva-a a nossos opressores, porque eles necessitam de seus preceitos morais mais do que nós. Porque desde a chegada de Cristovão Colombo, impôs-se à América pela força uma cultura, uma língua, uma religião e valores próprios da Europa. A Bíblia chegou a nós como parte do projeto colonial imposto. Ela foi a arma ideológica desse assalto colonialista. A espada espanhola que de dia atacava e assassinava o corpo dos índios, de noite se convertia na cruz que atava a alma índia”. [1]

Os povos indígenas estão errados ao fazerem este lamentoso, sentido e verdadeiro pedido ao Papa? Se estão errados, qual é este erro? Como ler a Bíblia se ela foi usada para matar seres humanos? De que outra forma expressariam sua vontade de serem livres, por séculos aprisionada e assassinada?

O poeta sente e pensa diferente. Por isso muitas vezes não é compreendido e a perseguição velada ou explicita acontece e ele adoece por não conseguir compreender por que é difícil aceitar o outro? A única forma que possui para se fazer ouvir vem em forma de palavras, comovidas e ácidas:

CONVIVER COM A DIFERENÇA [2]

o grande desafio do mundo
é conviver com a diferença
de aromas, texturas, sons e cores
sabores que no profundo ou nas alturas
deveriam encantar as pessoas

infelizmente nem todas
conseguem aceitar
aquilo que a princípio assusta
ver o sol a partir de tantos olhares
é ver o belo no diferente

e se nos fazem sangrar e jorrar
só terão como resposta o vermelho
no chão, nossas sombras são iguais
seremos sementes e flores nos quintais
já não terá valor aquele espelho

a grande opção é viver em harmonia
descobrindo a partir das duras derrotas
que cada um, cada uma, é companhia
na edificação do outro mundo possível
aprendendo e ensinando sempre uma nova rota

Como fazer acontecer o diálogo interreligioso e ecumênico, se todas as mudanças são vistas como heresias e deturpações da ordem já estabelecida?
As mudanças não são também sopro do Espírito? Não são vontades do próprio Deus?
Apressadamente se julgam as pessoas que trabalham na construção de um outro mundo possível, esquecendo-se que há lugar para todos.

Lembro-me de uma parábola contada pelo querido amigo carmelita Frei Carlos Mesters, no final da década de 1990 e que até hoje, rende para o próprio, adjetivos, como: herege, infiel, lobo vermelho, padre comunista, entre outros. Mas quem o acusa não se esforça para saber qual foi o contexto em que a parábola foi escrita, qual foi a contribuição do autor para a caminhada da Igreja no Brasil e no Continente. É muito fácil somente acusar, levantar falsos testemunhos e dizer que nada do que escreve não presta...podemos pensar que a inveja é muito maior do que qualquer outro sentimento.
Quando há respeito, há o encontro e há o diálogo. É uma via de mão-dupla. É um caminho árduo, mas não impossível. Mesters já deu um passo significativo nesta direção, sem abrir mão de sua fé. Pelo contrário, sempre dialogou chegando primeiro com um sorriso e depois com um abraço bem apertado. Sempre se manteve fiel às suas convicções enquanto carmelita, enquanto parte do Magistério e do Povo desta Igreja. Eis a parábola:

UMA PARÁBOLA [3][4]

Quando Deus andou no mundo, a São Pedro disse assim:

Certa vez, Jesus reuniu os discípulos e as discípulas e disse: “Quando você forem anunciar o Reino, não devem levar dinheiro nem comida, mas devem confiar no povo. Chegando num lugar, se vocês forem acolhidos e o povo partilhar comida e casa com vocês, e se vocês participarem da vida deles trabalhando e tratando dos doentes e do pessoal marginalizado, sem voz nem vez, então podem dizer ao povo com toda a certeza: “Gente! Olhe aqui! O Reino chegou! Está chegando!”. E eles foram.
Jesus também foi. Andou, andou. Já era quase noite. Estava começando a escurecer, quando chegou num terreiro. O pessoal que entrava, saudava e dizia: “Boa Noite, Jesus! Sinta-se em casa. Participe com a gente!”. Jesus entrou. Viu o pessoal reunido. A maioria era pobre. Alguns, não muitos, da classe média. Todo o mundo dançando, alegre. Havia muita criança no meio. Viu como todos eles se abraçavam entre si. Viu como os brancos eram acolhidos pelos negros como irmãos. Jesus, ele também, foi sendo acolhido e abraçado. Estranhou, pois conheciam o nome dele. Eles o chamavam de Jesus, como se fossem amigo e irmão de longa data. Gostou de ser acolhido assim.
Via também como a mãe-de-santo recebia o abraço de todos e como ela retribuía acolhendo a todos. Viu como invocavam os orixás e como alguns vinham distribuindo passes para ajudar os aflitos, os doentes e os necessitados. Jesus também entrou na fila e foi até a mãe-de-santo. Quando chegou a vez dele, abraçou-a e ela disse: “A paz esteja com você, Jesus!”. Jesus respondeu: “Com a senhora também!”. E acrescentou: “Posso fazer uma pergunta?”. E ela disse: “Pois não Jesus!”. E ele disse: “Como é que a senhora me conhece? Como é que eles sabem o meu nome?”. E ela disse: “Mas Jesus, aqui todo o mundo conhece você. Você é muito amigo da gente. Sinta-se em casa, aqui no meio de nós!”.
Jesus olhou para ela e disse: “Muito obrigado!”. E continuou: “Mãe, estou gostando, pois o Reino de Deus já está aqui no meio de vocês!”. Ela olhou para ele e disse: “Muito obrigada, Jesus! Mas isto a gente já sabia. Ou melhor, já adivinhava! Obrigado por confirmar a gente. Você deve ter um orixá muito bom. Vamos dançar, para que ele venha nos ajudar!”. E Jesus entrou na dança. Dentro dele o coração pulava de alegria. Sentia uma felicidade imensa e dizia baixinho: “Pai eu te agradeço, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste ao povo humilde aqui do terreiro. Sim, Pai, assim foi do teu agrado!”. Dançou um tempão. No fim comeu pipoca, cocada e batata assada com óleo de dendê, que o pessoal partilhava com ele. E dentro dele, o coração repetia, sem cessar: “Sim, o Reino de Deus chegou! Pai, eu te agradeço! Assim foi do teu agrado!”

Fico imaginando que além desta proposta de colocar Jesus no encontro e no diálogo com as Religiões Africanas, podemos também colocá-lo no encontro com Muhammad e o Islamismo, no encontro com Siddhartha Gautama e o Budismo, no encontro com Kung-Fu-Tse e o Confucionismo, no encontro com todas as Religiões Indígenas, entre tantas outras, sem denegrir a ética, o amor, a mensagem, a humanidade e a divindade de Jesus, pois ele mesmo se colocava nesta direção quando iniciava colóquios com o centurião romano, com a cananéia, com a samaritana...ele não deixou de ser judeu para anunciar uma vida em abundância para todos.
Qual é o medo de convivermos com o diferente?
Qual é o medo que se tem em dialogar numa sociedade que é plural?
Jesus é fruto de uma particularidade histórica que caminha para a universalidade salvífica:
“O primeiro pressuposto é partir da particularidade histórica e geográfica de Jesus de Nazaré para chegar a universalidade do Cristo da fé. Nem as primeiras comunidades, nem os apóstolos tiveram conhecimento imediato de que em Jesus Cristo acontecia a revelação definitiva de Deus. Para eles, Jesus de Nazaré era um bom judeu, praticamente piedoso, reformador de práticas judaicas que diziam respeito à lei e ao templo. Em sua proposta significativamente revolucionária em termos religiosos e, a partir daí, sociais, políticos e culturais, eles perceberam que esse evento dizia respeito não somente ao entorno judaico, mas devia ser levado ao conhecimento e ao seguimento de todos os seres humanos.
Fora dessa particularidade histórica, geográfica, profundamente humana, de Jesus de Nazaré, o cristianismo transforma-se em idéia, ideologia, símbolo; o próprio Cristo torna-se mito. Como se sabe, idéias e ideologias que não estejam baseadas em práticas só conseguem impor-se pela força da razão e do poder. Elas não somente impedem o acesso às práticas, mas as encobrem e mascaram. Práticas, ao contrário, não se impõem; elas valem por si, como testemunho; são frutos da experiência, referem-se diretamente ao chão da existência. Analogamente, os símbolos que não estejam enraizados na realidade perdem seu significado, seu conteúdo, tornam-se magia. Esse é o risco constante do cristianismo: fora da pessoa e da prática de Jesus, transmuda-se em puro símbolo e magia, pura idéia e ideologia. Magia que desconecta a fé da realidade, tirando-lhe o vigor transformador e libertador. Ideologia que aliena a fé, justificando atitudes e instituições opressoras. O cristianismo, para anunciar a verdade salvífica de Cristo, deve referir-se constantemente à pessoa e à prática de Jesus. Sem Jesus, não há Cristo. É de Jesus, de sua particularidade histórica, que deve partir sempre a cristologia. Sobretudo em seu diálogo com as outras religiões.
Quando, no diálogo com as religiões, tomamos como ponto de partida a universalidade de Jesus Cristo, como Deus feito homem, morto e ressuscitado para a salvação de todos os seres humanos, uma universalidade que normalmente encobre sua particularidade histórica, geográfica, cultural, social, política, etc., somos imediatamente levados a impor nossa concepção religiosa sobre os outros. Partimos do pressuposto de que já temos toda a verdade, de que devemos, portanto, anunciá-la aos outros. O cristianismo cometeu graves pecados em sua história, por causa dessa concepção não-cristã de verdade e de prática evangelizadora, pecados pelos quais hoje freqüentemente acusados e dos quais somos convidados a pedir perdão, conduzidos pela sábia decisão de João Paulo II. Há de se ter em mente que a verdade de Cristo é a obra de Deus, e não conquista humana, é dom de Deus a ser partilhado, e não imposto. Por isso, torna-se necessário impostar a reflexão cristológica para o diálogo inter-religioso dentro de uma “humildade soteriológica” que retome a singular humanidade de Jesus.
Além disso, os cristãos de hoje são levados à preguiça e à indiferença se desconhecem que a universalidade da pessoa e da ação de Cristo se manifestou para nós numa particularidade situada e que foi sendo aos poucos explicitada pelos primeiros grandes teólogos do cristianismo, em penoso trabalho de reflexão teológica, de ação pastoral e de evangelização inculturada. Recebemos a verdade pronta, acabada, julgando que basta agora impô-la à força. Cruzam-se os braços, julgando que a obra da inculturação do Evangelho terminou com a tomada do Império Romano, com a cristianização de toda a civilização ocidental, com a conquista das maiorias para o rebanho da Igreja. Esquece-se que os primeiros tempos do cristianismo apresentaram a verdade do Evangelho tendo em conta o respeito por dois flancos de realidade: a particularidade situada de Jesus de Nazaré e as particularidades culturais, lingüísticas, filosóficas etc., igualmente situadas, nas quais o Evangelho ia sendo semeado.
Urge, portanto, partir da humanidade particular, concreta e empírica de Jesus de Nazaré para chegar à divindade de Jesus Cristo e à pretensão de seu significado universal. Nem os apóstolos, nem as primeiras comunidades cristãs experimentaram de modo explicito o encontro com a divindade em Jesus de Nazaré. De certa maneira, o próprio Jesus de Nazaré não sabia que era Deus. Foi no encontro com as obscuridades da vida e no diálogo amoroso e religioso com o Pai, que Jesus foi se dando conta de sua missão messiânica e de sua identidade divina”. [5]

E aí pode-se perguntar: por que a teologia é necessariamente pluralista?
Primeiro, pois o Mistério da fé é transcendente, superando infinitamente todo entendimento humano e não se esgotando jamais numa única forma de interpretação. Segundo, pois esse mesmo entendimento teológico é sempre contextual: está situado sem escapatória dentro de uma cultura determinada, sendo que o campo cultural é justamente o campo das variedades.
O pluralismo teológico é legítimo, necessário e inevitável.
O respeito ao diferente é legítimo, necessário e inevitável se você quer continuar acreditando e professando sua fé.


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[1] VIGIL, José Maria. Teologia do Pluralismo Religioso – para uma releitura do cristianismo. São Paulo: Paulus, 2006.
[2] TAVARES, Emerson Sbardelotti. Utopia Poética. São Leopoldo: CEBI, 2007.
[3] NONO Encontro Intereclesial. São Paulo: Salesiana, 1996.
[4] CÍRCULOS Bíblicos. Sub-Regional do Espírito Santo: 1997.
[5] FELLER, Vitor Galdino. O Sentido da Salvação – Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005.

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Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005. Pedidos pelo site www.cpp.com.br
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007. Pedidos pelo site www.cebi.org.br

sábado, 18 de janeiro de 2014

JUSTIÇA E PROFECIA A SERVIÇO DA VIDA!


JUSTIÇA E PROFECIA A SERVIÇO DA VIDA!

O que posso dizer destes dias em que vivi na Diocese do Crato, em Juazeiro do Norte, no Cariri, do Ceará de Padre Cícero, no Ceará de Patativa do Assaré, no Ceará do 13º. Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base?
Próximo ao mistério de Deus no meio de tantos romeiros, tantas romeiras, prefiro me calar e lembrar na mente e em meu coração, momentos que nunca se apagarão...que estão cravados para sempre.
Tive a imensa alegria de ser adotado pelo povo guerreiro do Norte I: Amazonas e Roraima, que me abraçaram, que me beijaram, como se eu já estivesse com eles a muito tempo e que nosso encontro fosse um reencontro...neste momento as lágrimas rolam por saudade e por amor a todos, todas que daqui para frente estarão em minhas orações e lembranças...e são muitas...muitos risos também...quero reencontrá-los, reencontrá-las em breve.
Fui acolhido por uma família especial do Cariri, do Crato/CE, a Família Lobo: me deixaram a vontade com meu novo irmão, eu tenho um irmão indígena...(risos)...o querido Delmir, que deve chegar em breve em Belém do Pará...é um choro de alegria o de agora e de muita saudade...saudade das minhas novas irmãs, do meu novo irmão, de painho e mainha.
No dia 07 de janeiro, após o credenciamento me dirigi para Assaré, a cidade do poeta profeta Patativa. Que alegria estar ali naquele pequeno lugarejo de onde brotou um verdadeiro ser humano. Eu agora sei que minha pesquisa em torno dele será ainda mais difícil, pois parafraseando Luiz Gonzaga a respeito de Jackson do Pandeiro: “Quando a gente encontra alguém que é muito melhor...a única coisa a se fazer é ficar quieto”. Ao conversar com as meninas da Casa da Memória Patativa do Assaré, e ver nos olhos delas, o amor pela história do grande mestre do Assaré, é que senti que ainda tenho muito a fazer e a crescer enquanto ser humano, poeta e cantador.
Voltei de lá com a sacola cheia de livros, discos e um documentário, enquanto escrevo esta memória, ouço e canto uma canção chamada SINA (Raimundo Fagner / Ricardo Bezerra / Patativa do Assaré):

Eu venho desde menino
Desde muito pequenino
Cumprindo o belo destino
Que me deu Nosso Senhor

Não nasci pra ser guerreiro
Nem infeliz estrangeiro
Eu num me entrego ao dinheiro
Só ao olhar do meu amor

Carrego nesse meus ombros
O sinal do Redentor
E tenho nessa parada
Quanto mais feliz eu sou

Eu nasci pra ser vaqueiro
Sou mais feliz brasileiro
Eu num invejo dinheiro
Nem diploma de doutor...

A noite celebramos a abertura dos trabalhos. E abracei Reginaldo Veloso e Zé Vicente e outros artistas da caminhada.
E começou no dia 08, de fato, o Intereclesial, com uma linda celebração e tantas vozes e chapéus, que eu disse baixinho: “Obrigado Jesus por revelar seu amor aos pequeninos”...e o Caldeirão esquentou ainda mais quando Francisco, bispo fraterno de Roma nos mandou sua mensagem de amor, afago e carinho...quando um irmão indígena nos lembrou que podem nos tirar tudo, mas nunca irão matar nossas raízes...e assim...a paz! 
Depois de dez anos, abracei meu querido irmão e amigo Vilsom Basso, scj, hoje bispo de Caxias – MA...e assim...a paz!
E reencontrei a família do querido amigo e irmão Zé Martins num vagão...ops...num rancho em sua homenagem...ao abraçar a Angela e as filhas do Zé...a emoção foi grande demais...e assim...a paz!
Todos os dias as famílias, apesar do calor e do cansaço, nos recebiam com sorrisos, beijos e abraços e isso nos dava ainda mais força.
No dia 09 saímos em missão, visitando paróquias e conhecendo um povo lindo...ouvimos histórias, recitação de cordel, deixamos chapéus e levamos no peito a certeza que Deus está muito mais perto dos pobres do que imaginamos. E vimos neles os profetas e profetisas que ainda não somos...mas estamos a caminho...e assim...a paz!
No mesmo dia, subimos ao Horto de nosso Padim Padi Ciço...fomos pedir sua benção, fomos rezar os mártires de nossa caminhada: todos, todas. Foi lida a Carta fraternal que será enviada ao querido Papa Francisco.
No dia 10 retornamos aos ranchos, depois de ouvirmos um animado Luis Mosconi, fiel romeiro e articulador das santas missões populares e o querido Frei Carlos Mesters, que no alto de sua simplicidade nos ensinou como trabalhar com o povo a partir dele próprio e da Palavra de Deus. A noite cantamos com Zé Vicente e os artistas da caminhada.
No dia 11 escolhemos o Paraná como estado que acolherá o próximo Intereclesial das Cebs, o 14º., na cidade de Londrina.
Depois partimos em romaria para o que seria a caminhada jubilar em homenagem ao centenário da Diocese do Crato. Depois aconteceu a Missa de Envio e com a lua surgindo, nos abraçamos uma vez mais, numa irmandade linda, desejosos de nos reencontrar nessas estradas todas da vida e manter sempre viva a profecia, defendendo a vida, lutando por justiça.
Que Deus nos abençoe.
Que Deus vos abençoe.
Amém. Axé. Awerê. Aleluia.


Emerson Sbardelotti
12 de dezembro de 2014
23:45
Vitória do Espírito Santo

A carta do Papa Francisco

Acabei de receber uma carta da Secretaria de Estado do Vaticano, datada de 12 de dezembro de 2013 a respeito dos meus livros que enviei a Sua Santidade, o Papa Francisco.
O Assessor Monsenhor Peter B. Wells, em nome de Sua Santidade assim diz:

"Prezado Senhor,

Chegou ao destino desejado a publicação que teve a amabilidade de oferecer ao Santo Padre, em sinal de devoção à Sua pessoa e de adesão ao Seu Magistério.
Ao agradecer - por incumbência de Sua Santidade o Papa Francisco - este gesto de devoção, mais posso acrescentar: Em retribuição, o Santo Padre recomenda as intenções do senhor e das pessoas que lhe são caras. O Papa lhes exorta também a procurarem viver sempre mais como discípulos missionários, reconhecendo que cada batizado é um Campo da Fé - um Campus Fidei - de Deus, que deve estar pronto a responder ao chamado de Cristo: <>(cf. Mt 28,19). E, como penhor de conforto, contínua assistência e graças divinas, concede-lhe, extensiva à sua família, uma particular Bênção Apostólica.

Aproveito o ensejo para lhe afirmar protestos da melhor consideração em Cristo Senhor".

Junto com a cartinha veio uma foto do bispo de Roma autografada, que posto abaixo, junto com as capas dos livros que enviei ao amável Fratello de Roma.


Emerson Sbardelotti
14 de janeiro de 2014