quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O CUIDADO ESTÁ PRESENTE?

O CUIDADO ESTÁ PRESENTE?



Outro dia numa assessoria sobre Espiritualidade da Libertação Juvenil e Ecologia, uma jovem, me perguntava: "Estamos vivendo um caos em São Paulo, caos este já vivido e experimentado a anos por nossas irmãs e irmãos nordestinos, que é a questão da falta da água. Essa falta é resultado de não cuidarmos direito dos recursos naturais do planeta Terra e o que isso influencia na nossa espiritualidade?".
Não só do descaso em cuidarmos direito dos recursos naturais da Terra, mas também do descaso em cuidarmos de nós mesmos, uns dos outros. Um cuidar está ligado ao outro cuidar.
Há dois paradigmas para entendermos tal problemática: o primeiro é o da conquista - desde o século XVI até os dias atuais: conquistar terras, conquistar povos, conquistar tudo o que é possível no planeta inteiro foi a ordem bem obedecida, porém se conquistou devastando a Terra e todos os seus recursos e exterminando seus povos, de tais conquistas vieram o caos, sob o nome de mudanças climáticas. Ela é um organismo vivo, se ela morre, morreremos com ela. O oposto ao paradigma da conquistá é o paradigma do cuidado! O cuidado cura as feridas passadas e impede as feridas futuras, é uma relação amorosa, protetora com a Natureza, uma nova forma de organizar a nossa relação com a Terra. O cuidado derruba muros e barreiras e constrói pontes.
Nos últimos 50 anos, por exemplo, o cuidado esteve presente em nossas relações afetivas? O cuidado esteve presente nas nossas relações pastorais, comunitárias e em sociedade?
Infelizmente, precisaremos reconhecer que muitas foram as vezes que o egoísmo e o individualismo levantou muros e barreiras, e há em nosso meio, várias pessoas que querem manter isso em evidência.
O cuidado com o próximo, com a Natureza é urgente e necessário.
Do cuidado dependerá nossa sobrevivência.
E cuidar se inicia nas pequenas coisas: um bom dia, um boa tarde, um boa noite, por favor, como vai, sente-se aqui, deixa que eu pego para você...
E vai se estendendo no desenrolar dos dias.
Conversando outro dia com uma amiga, que não via a cinco anos, ela me dizia, que havia saído do estado onde ela morava e tinha ido morar em outro estado, envolvida com uma pessoa, e o relacionamento acabou não dando certo e precisou retornar para a sua terra natal; foi recebida com muito carinho e amor por seus familiares, mas não teve a mesma acolhida na Pastoral da Juventude, nem no grupo da paróquia de origem, nem pela equipe diocesana, o que a desmotivou em continuar se doando por esta pastoral social. Ela me disse que não queria voltar para os cargos que tinha quando precisou sair, nem tomar o lugar de ninguém no grupo de base ou na coordenação diocesana, ela só queria ter sido bem acolhida, e não o foi. Ela me confidenciou: "Quando eu estava no outro estado, viviam me mandando mensagens, dizendo que eu estava fazendo falta, que estavam com saudades, e que eu era importante para a caminhada. Agora que estou aqui, não sou convidada para nenhuma reunião, nenhum encontro e naqueles que consegui ir, via que os/as coordenadores/as estavam incomodados/as com a minha presença. Eu me doei tanto por esta pastoral, e a amo ainda, mas não vou ficar em um lugar que não me acolhem, falam de mim pelas costas, me caluniam, e não me aceitam como eu sou!".
Fiquei preocupado com esse desabafo, pois, acredito, que essa não é uma situação isolada, ela tem acontecido com outras pessoas, com outros/as jovens, em todos os cantos do país.
Vi claramente nesta fala sofrida, que ela ainda ama a PJ, mas não dará mais prioridade para a mesma por falta do afeto, por falta do carinho, por falta da atenção que não dispensaram a esta liderança. Somos seres de toque, somos seres de encontro e de diálogo, porém, quando o respeito não se faz presente, o cuidado desaparece e todos, todas nós sofremos.
Quantos participantes de grupos de jovens, militantes e assessores não estão na mesma situação desta minha amiga? Sentem que podem ajudar, que podem colaborar, mas por não serem acolhidos como deveriam, ou por serem mal interpretados, são colocados para escanteio, muitas vezes, por ciúmes e inveja. É preciso estar atento a isto. Uma pastoral, uma comunidade que não cuida dos seus colaboradores não é pastoral, não é comunidade. Uma pastoral, uma comunidade que não se preocupa com aquele, aquela que se afastou, por inúmeros motivos, não é pastoral, não é comunidade. Uma pastoral, uma comunidade, que se preocupa mais com o poder do que com o bem viver de todos os seus membros não é uma pastoral, não é comunidade. O Moreno de Nazaré procurou sempre em sua vida mostrar que unidos, juntos, eram mais fortes, mesmo sendo tão diferentes. Eis o segredo de uma pastoral, de uma comunidade, de uma Igreja forte: conviver com as diferenças. Uma Igreja que se quer mais humana, mais pobre, portanto, mais viva e profética deve cuidar para que haja de fato uma harmonia, diálogo, encontro e respeito. É a grande demonstração de cuidado.
Por querer cuidar da Natureza eu escrevi assim:

SABER CUIDAR

o ser humano é o responsável
pela sobrevivência do planeta
ele não é apenas mais um animal
não está acima do bem ou do mal

e a chuva cai sem parar
e a enchente já levou tudo
levou os sonhos e a esperança
só ficou o choro da criança

saber cuidar...saber cuidar...
é o que a canção pode ensinar...

até quando por erros iremos pagar
por aquilo que não compramos
que de graça recebemos
e que ainda não sabemos amar

o ser humano é o responsável
pela paz e felicidade das nações
pela sustentabilidade da Terra
pela bela e pela fera

saber cuidar...saber cuidar...
é o que a canção pode ensinar...

Somos todos, todas responsáveis por tudo aquilo que fazemos de bom ou de mal a nós mesmos e a Terra.
Somos todos, todas responsáveis pelo cuidado em nossas Comunidades Eclesiais de Base, em nossas Pastorais da Juventude, em nossas relações profissionais, em nossas relações afetivas.
A ética do saber cuidar é uma ética do ser humano em compaixão pela Terra.
Saber cuidar é olhar o mundo e as pessoas com o mesmo olhar do Moreno de Nazaré.
Saber cuidar é fazer valer a opção pelos pobres, pelos jovens, que continua atual e necessária, pois o Povo de Deus, ainda passa sede, fome, é exterminado, é excluído, é marginalizado.
Saber cuidar é fazer do sonho do outro mundo possível uma realidade.
Saber cuidar é abraçar todos os dias a quem não se conhece, mas que está ali, do seu lado, pedindo a sua atenção, o seu carinho.
Saber cuidar é abraçar todos os dias a quem não está mais na mesma caminhada, no mesmo grupo, na mesma pastoral, levando carinho e atenção.
A ecoespiritualidade do cuidado exige de nós, seres humanos uma atitude de oração e ação. Oração é apenas oração. Não é pedido, não é agradecimento, apenas oração. Deixar Deus falar e ouvir em silêncio. Aprenderemos a cuidar um pouco melhor de nós, das outras pessoas e da Criação.
Essa ação por que dela se inicia uma caminhada que o levará ao martírio.
E com o sangue de nossos/as mártires não se brinca!
Saber cuidar é aceitar de coração aberto as críticas que são feitas. Afinal, quem não aceita críticas não serve para trabalhar em equipe, não pode estar na pastoral nem na comunidade.
Saber cuidar é realizar o sempre novo mandamento dado pelo Moreno de Nazaré: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei!".
Saber cuidar é saber amar.
Quem cuida ama.
Quem ama cuida.

Emerson Sbardelotti
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Assessora grupos de jovens nas áreas de mística e espiritualidade.

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