sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ORAÇÃO PARA O NOVO ANO

ORAÇÃO PARA O NOVO ANO


Ó Pai-Mãe de bondade,

concedá-nos a paz e a harmonia,

para neste Novo Ano

realizarmos os sonhos mais queridos:

trabalho e pão,

família e escola,

saúde e dignidade...

derrama a sua benção

sobre todas as mulheres,

para que sejam sempre novas;

sobre todos os homens,

para que sejam sempre novos;

neste Novo Ano que se inicia,

e que juntos trabalhem

pelos pobres e pelo Reino da Vida!

Amém. Axé. Awerê. Aleluia!


TAVARES, Emerson Sbardelotti. UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

ENTREVISTA COM JON SOBRINO

''A Igreja costuma se distanciar de Jesus para que ele não incomode''. Entrevista com Jon Sobrino

Santo e senha da Teologia da Libertação, o jesuíta salvadorenho de origem basca Jon Sobrino continua sendo uma referência mundial aos que, na Igreja, buscam um Deus encarnado que opta pelos seus preferidos, os pobres. De passagem por Bilbao, ele diz que, "em conjunto, a Igreja costuma se distanciar de Jesus para não incomodar". E também assegura que o "enoja e envergonha" a situação do mundo atual, porque "o primeiro mundo continua colocando o sentido da história na acumulação e no desfrute que a acumulação permite".

A reportagem é de Asteko Elkarrizketa, publicada no jornal Gara, 19-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

 
Contam-me – de brincadeira – que o senhor está cansado do mundo e também lhe ouvi dizer mais de uma vez que o senhor quer poder viver sem sentir vergonha do ser humano. Qual é a razão?

Às vezes, eu sinto vergonha. Por exemplo, interessamo-nos de verdade pelo Haiti? Obviamente, ele levantou interesse no começo e teve algumas respostas sérias. Mas passa um tempo e já não importa... Outro exemplo que contei outras vezes: em um jogo de futebol de equipes de elite jogando a Champions [League], calculei que, no campo, entre 22 jogadores, havia duas vezes o orçamento do Chade... Isso me enoja e me envergonha. Algo muito profundo tem que mudar neste mundo...

Para onde o neoliberalismo e a globalização nos levam?

É tal o desastre que, em boa parte, provocou que alguns respondam humanamente: voluntários, ONGs, muitas Igrejas – católicas ou protestantes –, outras religiões. Mas acredito que o chamado Primeiro Mundo – uma quarta parte da humanidade – continua pondo o sentido da história na acumulação e no desfrute que a acumulação permite. A diversão, por exemplo, é uma megaindústria multinacional: o esporte de elite, o turismo...
Ignacio Ellacuría chamou isso de "civilização do capital", que produz uma sociedade gravemente enferma, em transe fatídico e fatal. E costumava dizer que a solução é inverter a situação. Por isso, forjou a expressão de que precisamos de uma "civilização da pobreza". Ellacuría era cabeça-dura nisto: é preciso inverter a situação: o motor da história não pode ser acumular, mas sim solucionar as necessidades básicas de 6,5 bilhões de seres humanos, e o sentido da história é a solidariedade com espírito.

Em nossa sociedade, é comum que grandes companhias realizem "campanhas de solidariedade" muito midiáticas, com jantares beneficentes, apadrinhamentos, envio de ajudas etc. O conceito de solidariedade está sendo desvirtuado?

Entendo a pergunta, mas acredito que ocorrem as duas coisas. Por um lado, certo bem-estar e certa afluência de recursos fazem com que dar ajuda seja mais fácil e que, se não tivermos o coração de pedra – como dizia o profeta Ezequiel –, que ele se converta um pouco em coração de carne e ajude. Acredito que parte dessas solidariedades são autênticas.
Pois bem, essas solidariedades também costumam ser usadas para ocultar a ignominia da falta de uma solidariedade maior e mais fundamental, e não só isso, mas também a opressão das grandes potências aos países pequenos.

Talvez sirvam para mascarar as raízes dos problemas?

Podem ser usadas assim, embora, ironicamente, boa parte das ONGs existem precisamente para dizer a verdade – embora não façam muito caso disso –, não só para ajudar economicamente, mas também para defender os direitos humanos. Acho isso complexo, e é preciso analisar cada situação. É claro que o poder submete todo mundo, mas cada um deve empurrar o carro da história como puder. Certamente, o que nos oferecem como soluções me causa indignação e me dá tristeza.

Ao cidadão médio do mundo desenvolvido corresponde alguma responsabilidade da pobreza, da opressão ou das guerras que assolam o planeta?

Objetivamente, sim. Quem declara as grandes guerras? Os governos, movidos por oligarquias, mas eleitos pelos cidadãos. Quando os governos oferecem guerra diretamente, alguns os elegem e outros não. Mas eu não ouço que um governante ofereça que se viva pior, que se desça para que outros muitos possam subir um pouco. Nesse sentido, objetivamente somos corresponsáveis. O mundo se divide entre oprimidos e opressores. Não é preciso enrolar muito...

A Congregação para a Doutrina da Fé emitiu em 2006 uma "Notificatio" na qual afirma que o senhor falsifica a figura do Jesus histórico ao destacar muito a sua humanidade em detrimento da sua divindade. É o argumento da velha heresia...

O que eu digo é que, na realidade humana de Jesus de Nazaré, Deus se fez presente. Mas me dizem que não chego a dizer de verdade quem é Deus e que eu falo de Jesus de Nazaré muito concretamente e até que o converto em político, e isso, em geral, não costuma agradar às autoridades das cúrias romanas e também diocesanas. Ocorreu com vários teólogos. No meu caso, começou em 1976.
Na "Notificatio", disseram que dois livros meus continham afirmações errôneas e perigosas. Antes, eu os havia dado para que sete teólogos sérios os lessem, e nenhum me disse que havia algum problema de possibilidade de heresia... Penso que Jesus de Nazaré sempre incomoda. Deus incomoda menos, porque é tão intocável, tão impalpável... Penso que, na Igreja, temos uma tendência a nos distanciarmos de Jesus de Nazaré. Não quer dizer que não falemos de Cristo, mas Cristo é "o ungido", um adjetivo.
Creio que o mais perigoso é ignorar que Jesus não simplesmente morreu, mas que o executaram. E o mataram porque enfrentou o poder dos sumos sacerdotes e, indiretamente, o poder romano. Evidentemente, Jesus não fez só isso. Pregou coisas belíssimas e dificilíssimas: as bem-aventuranças, a misericórdia com as pessoas, a oração ao Pai. Dá gosto de ver Jesus, mas também é coisa séria, e, se alguém quer seguir o caminho de Jesus, vai lhe custar. Por isso, penso que, em conjunto, a Igreja também costuma se distanciar dele para que não incomode. Mas, graças a Deus, há pessoas e grupos aos quais Jesus lhes atrai. Vi isso no El Salvador, principalmente entre os pobres e aqueles que os defendem.

Depois da "Notificatio", o senhor enviou uma carta ao superior-geral jesuíta, Peter Hans Kolvenbach, na qual indicava que diversos teólogos não encontravam incompatibilidade com a doutrina da Igreja, que a campanha contra o senhor e a Teologia da Libertação vinha há 30 anos e que Ratzinger, em sua época de cardeal, já havia tirado de contexto reflexões e expressões suas. Deduzo que há um ataque premeditado contra o senhor...

Não chamaria de ataque, mas sim de predisposição contra mim e vários outros. O então cardeal Ratzinger [hoje Papa Bento XVI], em um artigo no ano 1984-85, me criticava em cinco pontos, mas também criticava Gustavo Gutiérrez, Ignacio Ellacuría e Hugo Assmann. Nós quatro estávamos nessa corrente que se chamava Teologia da Libertação. Ratzinger já era contra essa corrente. Se algum dia me encontrar com ele, espero que falemos como amigos...

Certamente, já não se ouve falar tanto da Teologia da Libertação. Mudou alguma coisa, por acaso?

A Teologia da Libertação nasceu há cerca de 50 anos, na América Latina, um continente de grande pobreza e de fé cristã. Algo irrompeu aí. Algo explodiu. O que irrompeu? A verdade dos pobres, que era realidade durante séculos. A Igreja os havia visto e lhes havia ajudado de várias formas, mas, quando algo é tão real e explode, isso lhe afeta, lhe sacode e lhe anima a fazer alguma coisa.
Assim começou a chamada Teologia da Libertação, que pretendia que os pobres tivessem vida, justiça e dignidade. Para as Igrejas cristãs, essa era a vontade central de Deus. E, nesse sentido, Deus também "explodiu". E, em seguida, houve duas reações. Uma, fora das Igrejas. O vice-presidente dos EUA, [Nelson] Rockefeller, estava viajando pela América Latina nos anos 1970 e disse, entre outras coisas: "Se aquilo que os bispos estão dizendo em Medellín [na Conferência Episcopal de 1968, onde a Teologia da Libertação ganhou corpo eclesial] se tornar realidade, nossos interesses correm perigo". Dentro da Igreja institucional também houve uma reação contrária por parte de alguns bispos e cardeais. Ou seja, a Teologia da Libertação nasceu, e, em seguida, chegaram os enfrentamentos. Tudo isso levou a algo único na história da América Latina. Quiseram freá-la de diversas formas. Uma foi matar. Assassinaram dezenas de sacerdotes, religiosos e religiosas, e quatro bispos. Outros dois se salvaram por erro. E o que é menos conhecido: milhares de leigos, a maioria pobres.
A Teologia da Libertação desencadeou um modo de viver baseado na compaixão, concretizado depois em formas de justiça, baseada no amor aos mais pobres. Isso hoje desceu ao nível eclesial e de bispos que defendem essa linha.

Dom Romero [arcebispo de San Salvador], semanas antes de ser morto em 1980, dizia que "um cristão que se solidariza com a parte opressora não é um verdadeiro cristão".

Evidentemente. Identificar-se con a parte opressora quer dizer fazer parte desse grupo de seres humanos que está oprimindo e tirando a vida de outros, lentamente, por meio da pobreza ou da repressão. Essa pessoa não é cristã. Em que ela se parece a Jesus se é todo o contrário? E além disso não é humana. Dom Romero tinha razão.

Recentemente, em um congresso de pensadores cristãos, o senhor disse – parafraseando o teólogo José María Díez Alegría – que "a Igreja traiu Jesus; essa Igreja não é a que Jesus quis". Para onde a hierarquia está levando a Igreja Católica?

Não parafraseei, mas citei Díez Alegría literalmente. Ele disse que, "em conjunto, a Igreja Católica traiu Jesus", e me parece uma reflexão importante. Obviamente, nem toda a Igreja. Eu acredito que ele está dizendo que Jesus de Nazaré incomoda, e por isso a Igreja o trai. José Antonio Pagola diz: o mais necessário hoje é "mobilizar-nos e somar forças urgentemente para centrar a Igreja com mais verdade e celeridade na pessoa de Jesus e em seu projeto do reino de Deus". Segundo a fé cristã, o reino de Deus é a vontade de Deus sobre este mundo, para que haja vida para todos, começando pelos pobres. E Pagola termina com estas palavras: "A Igreja Católica terá que fazer muitas coisas, mas nenhuma é mais decisiva do que essa conversão".

Eu gosto que se use a palavra conversão: é uma mudança radical. Não vejo nada mais importante do que voltar para esse Jesus, porque tendemos a nos separar dele. Nem sempre, nem todos, nem de todas as maneiras, mas...
Dito com toda simplicidade: quando alguém ouve cristãos, cristãs, sacerdotes, bispos e não bispos falando, como é raro quando se escuta que falem de Jesus de Nazaré, que contem o que ele disse e o que fez... Está se perdendo o que é de Jesus. Foi isso que eu quis dizer no congresso. Na América Latina, ele se fez muito presente em Dom Hélder Câmara, em Dom Pédro Casaldáliga, em muitos outros... Mas também existe a tentação de dizer-lhe, como o grande inquisidor do romance "Os Irmãos Karamazov": "Vá e não volte".

Inclusive de forma drástica... Lembro o slogan da extrema direita e do Exército na época da repressão e da guerra no El Salvador: "Seja patriota, mate um padre". Por que lhes perseguiam de forma tão cruel?

Não perseguiam só nós, sacerdotes ou grupos cristãos, mas principalmente todos os agricultores. Com a Conferência dos Bispos de Medellín de 1968 houve uma grande mudança, uma irrupção, e Jesus de Nazaré se fez presente. Ser cristão era seguir a vida desse Jesus, estar com as vítimas, com os pobres. E, para defendê-los, enfrentar os poderosos. A oligarquia não tolerava isso, e muito menos que viesse de pessoas reconhecidas da Igreja.
Os sacerdotes eram melhores ou piores, mas éramos um símbolo importante no país. Essa Igreja que queriam ter do seu lado foi embora. Então, assassinaram o primeiro sacerdote, Rutilio Grande, jesuíta, grande amigo, no dia 12 de março de 1977. Armou-se uma grande confusão, e Dom Romero tomou uma decisão muito importante: denunciou o fato, disse que não voltaria a estar presente em atos civis públicos até que o crime não fosse esclarecido. E no domingo do enterro ordenou que só houvesse uma missa única.
As pessoas de dinheiro, a oligarquia, foi se encorajando: "Matamos um padre e eles continuam...". Continuaram matando sacerdotes e distribuíam panfletos com aquela frase: "Seja patriota, mate um padre". Em junho, deram aos jesuítas um mês para sair do país ou matariam todos. Não fomos embora. Continuaram matando sacerdotes e freiras e principalmente agricultores.

Nesse contexto, chegou o massacre dos seis sacerdotes jesuítas e das duas mulheres, no dia 16 de novembro de 1989, na Universidade Centro-Americana - UCA. O senhor também era um dos objetivos dos militares, mas se salvou por encontrar-se na Tailândia participando de um congresso. Como o senhor recorda esses fatos?

Um amigo me telefonou de Londres, me perguntou se eu estava sentado e se eu tinha um lápis para escrever. E começou: "Mataram Ellacuría e...". Eu sentia como se arrancassem a pele aos pedaços, mas quando eu mais fiquei com raiva foi quando me disse que haviam matado a cozinheira e sua filha. Que matem Ellacuría, "merecido" – como Jesus de Nazaré. Mas matar uma cozinheira e sua filha de 15 anos...!
Lembro também que um tailandês convertido à religião católica me perguntou se no El Salvador havia católicos que matavam sacerdotes. Ele entendeu bem o horror que entranhava aquilo. No El Salvador, matar sacerdotes significava romper não apenas as regras do bem, mas sim as do mal. Tudo podia acontecer. E aconteceu...

O senhor temeu muitas vezes pela sua vida?

Sim e não. Várias vezes explodiram bombas na UCA e em nossa casa. Estávamos nas litas. Ellacuría em primeiro lugar e os demais também. Às vezes, nos jornais, também me destacavam. Mas pensar que podia acontecer o que aconteceu com Rutilio Grande, com o padre Alfonso Navarro, com Dom Romero não nos provocava temor. Costumavam nos perguntar por que não íamos embora do país, e respondíamos que nos daria vergonha ir embora, nos daria vergonha dizer que é preciso estar com as pessoas e depois ir embora. Eu, além disso, dava aula de cristologia e tinha que contar a vida de Jesus. Com que cara eu ia falar de Jesus se fosse embora? E não fomos, principalmente porque nos sentíamos parte de algo maior, todo um povo ao qual queríamos e que nos queria... Para mim, foi um dom ter ido ao El Salvador. Sou agradecido por toda a vida.

O senhor vive lá há mais de meio século. Mudaram muitas coisas no El Salvador, mas a pobreza continua. A situação até se agravou com a delinquência e a violência das gangues juvenis.

O El Salvador, assim como está acontecendo com o Haiti, desapareceu das notícias. Firmaram-se os tratados de paz, e algo importante aconteceu: dois exércitos concordaram em não continua lutando militarmente. E isso é muito bom. Além disso, nos acordos de paz, decidiu-se investigar as violações dos direitos humanos graves de ambas as partes. As Nações Unidas fizeram um estudo bastante sério sobre isso. Mas o que aconteceu? Antes de que saísse o relatório das Nações Unidas, o presidente Cristiani concedeu anistia aos que apareciam nele. Uma anistia assim não é um ato de reconciliação, de humanização. Serviu principalmente para que não tocasse na parte governamental. Ninguém foi ainda julgado pelo assassinato de Dom Romero – e o Vaticano também não o canonizou...
Pela pressão do tempo, os acordos também não trataram suficientemente da economia, e isso continua sendo notado. Não digo que com bons acordos sobre os modos de produção, a legislação trabalhista etc. se mudaria muita coisa. Não sou muito otimista, mas, ao não fazer nada, a injusta situação econômica continua sem aspectos de solução.
E ocorreram outras duas coisas negativas importantes: muitos salvadorenhos – de dois a três milhões – vão aos Estados Unidos para buscar trabalho, o que traz uma infinidade de problemas humanos, divisões de famílias etc. O outro problema é a violência das gangues, que geraram um tipo de vida em que os jovens encontram um sentido de identidade, estando dispostos a matar e a serem mortos. E é preciso incluir as máfias, o narcotráfico, os sequestros...
Às vezes me pergunto, tragicamente, por que, no El Salvador e em países semelhantes, não se decidiram por um suicídio coletivo. Para muitíssimas pessoas, isso não é viver. Mas, no povo, existe uma força maior para seguir em frente e enfrentar os problemas mais difíceis. Essa força se expressa no empenho para sobreviver, nas tentativas de organização. E é alimentava por muita gente boa, os mártires, com Dom Romero à frente. Aqui, acredito que isso é difícil de compreender.

Surpreende-me o pouco sotaque salvadorenho que o senhor tem. No El Salvador, continuam lhe conhecendo como basco?

É verdade, não mudei o sotaque. Enquanto a ser basco, acho que não perdi minhas origens. Mas também não é um absoluto. Também não é que eu me sinta salvadorenho, embora é o que eu mais me sinto. Acredito que o que me ocorreu no El Salvador é uma maior abertura a tudo o que é humano, para além dos lugares.

O senhor pensa em voltar para Euskal Herria para ficar?

O normal é que eu não volte para ficar. Se eu voltar, terei que pensar o que fazer para poder ajudar aqui [na Europa]. Eu gostaria muito de cooperar, fazer o bem, mas não tenho nenhuma receita. A mudança seria muito grande. No El Salvador, estão os pobres que não dão a vida por óbvia e têm quase todos os poderes do mundo jogando contra. Aqui, na Europa, a vida se dá por óbvia e com muito poder a seu favor. Se me permite dizer isso metafisicamente: os pobres são "os que não são reais". Aqui pensamos que o real somos nós. Estar no El Salvador significa cooperar para que todos vivamos e a utopia de fazer isso como irmãos e irmãs. Aqui, eu teria que repensar, embora veja pessoas e coisas boas às quais poderia me dedicar.


* Esse cara é sensacional...uma das maiores cabeças pensantes da Teologia da Libertação e um dos maiores especialistas em Cristologia da Libertação no mundo.





sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

NATAL: ENCONTRO E DIÁLOGO

NATAL: ENCONTRO E DIÁLOGO


Natal da Paz...Natal do Amor.

Natal do Menino Jesus.

E o que você fez pela Vida?

E o que você fez para acabar com a Dor?
Natal do Abraço Apertado.

Natal do Beijo Demorado.

E o que você fez para fugir da Bala Perdida?

E o que você faz pela Infância Sofrida?

Não acredite nos Presentes...eles passam.

Não acredite nas Festas...elas passam.

Mas acredite no Encontro e no Diálogo.

Solidariedade nunca foi coisa do passado.


Emerson Sbardelotti


10 de dezembro de 2010


14:25


*direitos reservados*

sábado, 27 de novembro de 2010

VELHO ANDARILHO

Contavam os antigos, que numa rua da cidade, chutando pequenas pedras e recolhendo latas de alumínio, o velho andarilho não passava despercebido pelas pessoas que apressadas não paravam para conversar com ele, ou simplesmente lhe dar um “bom dia”, um “como vai”, um “como tem passado”.

Ele seguia em frente...todos os dias, a mesma rotina.

Ninguém sabia a quanto tempo ele vivia na rua. Tinha gente que tinha nascido e morrido, e ele já vivia na rua.

Dizem que no passado, havia sido um homem muito importante daquela cidade e que perdeu tudo por causa do amor.

Não era de falar muito, tinha cabelos brancos compridos, barba branca comprida, bem ao velho estilo hippie...mas fazia tempo que havia deixado o sexo, as drogas...o rock n roll...bem...esse estava dentro dele.

De certa forma, era uma pessoa gentil, pois gostava das crianças que implicavam com ele, chamando o de Beato Conselheiro, e realmente, ele lembrava o Beato Antonio Conselheiro, mas sem a veste; ninguém nunca o viu em confusão, ou bêbado, ou drogado. Ficava horas sentado olhando o mar e os navios que chegavam no Porto de Vitória-ES, abria os braços como se quisesse abraçar tudo o que via, e sem nada dizer saia correndo.

Até hoje ninguém sabe ao certo o nome dele, por isso, irei chamá-lo como as crianças fazem: Beato Conselheiro.

A primeira vez que eu o vi, ele estava fazendo um discurso inflamado na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória-ES, depois que um pastor com cara de poucos amigos, olhando para ele disse que ele era a encarnação do Capeta. O Beato não gostou, mas educadamente, esperou a sua vez para falar. Como o pastor não lhe dava a vez para falar, levantou-se do banco onde estava e começou a fazer a sua defesa:

- Caríssimo pastor, estimados transeuntes, irmãos moradores de rua. Gostaria de proferir algumas palavras em defesa própria: muito me estranha que um homem que se diz de Deus, faça acusações levianas a respeito de uma pessoa que não conhece, que não vive com ela, que não experimentou do mesmo sofrimento e da mesma alegria que experimento. Acredito que Deus não mandou ele fazer isso (apontando para o pastor). E eu pergunto: o senhor realmente conhece a Deus? Ele lhe passou uma procuração dando-lhe plenos direitos para acusar e julgar qualquer pessoa a seu bel prazer? Com qual autoridade o senhor me acusa de ser a encarnação do Capeta? Se é que o Capeta existe.

Todos que ouviam caíram na gargalhada. Ele levantou a mão pedindo para continuar.

- Vocês me conhecem a muitos anos, vi pessoas crescerem e morrerem e eu aqui, nesta praça, caminhando pelas ruas da Capital, sem nada falar, sem mexer com ninguém, apenas catando latinhas, papelão, fazendo um ou outro serviço, dormindo pelos cantos e tomando banho todos os dias.

Outras risadas.

- Vocês sabem que nunca fiz o mal, nem o desejei para ninguém, mesmo quando alguns jovens drogados, de madrugada, me bateram por nada, e tive que ficar meses no hospital, sem a visita, sem o cuidado de ninguém. Eu não sou o Capeta pastor, mas o senhor é. Pois não é feliz...eu sou feliz...eu sou livre. Se o fato de o senhor me ver vestido como estou, com cabelo e barba grande, mal cuidado, lhe dá o direito de acusar e julgar, então não pode ser de Deus, pois Deus nunca acusou ninguém.

As pessoas ficaram espantadas com a firmeza e a convicção do Beato Conselheiro que ao ver o pastor e seus seguidores se retirando pois não conseguiam dar uma resposta a altura, o velho andarilho saiu gritando atrás dele:



- Lembro-me das palavras do filósofo:

"Se Deus existe a solução seria Deus,

mas como Deus não existe,

o muro está próximo".

E pude formular um pensamento herético:

- o gozo espiritual é parte fundamental

da substancialidade da alma;

e para tanto é preciso alcançar

a autotranscêndencia

e penetrar no âmago do ser

para poder atingir o ápice do gozo carnal

- Não me perguntem o que é isso,

pois, depois de Sartre...

me tornei o ser e o nada!



E berrou todas essas palavras até perder de vista o carro importado do pastor se afastando e sumindo.

As pessoas aplaudiram o Beato Conselheiro que aproveitou para pedir uns trocadinhos, afinal, ele também era Filho de Deus. A gargalhada foi imediata, e a ajuda também.

O velho beato estava muito feliz, pois viu que as pessoas agora sabiam que ele era um ser humano, não era um bicho, que havia feito escolhas: certas e erradas, e pagou caro por todas elas.

Viu um rapaz com um violão na mão e disse que gostaria de tocar uma canção antiga, pornográfica, que havia feito quando observava a lua cheia na baia de Vitória-ES, lembrando da sua única paixão e amor, pegou o violão e tocou o velho e bom rock n roll.

- Quero mostrar para vocês uma canção que fiz a muito tempo atrás. Ela se chama: ESTOU EM PAZ!

Pegou o violão...deu uma tossida e mandou ver:



- Eu deixei de ser punheteiro

cansei de ficar horas no banheiro

olhando seu retrato

toda nua na parede

em poses tão exóticas

baby, eu não sabia que era erótica

eu olho as minhas mãos

estão as duas caleijadas

são doenças e paixões

faz tempo que perdi a razão

eu sinto o seu corpo em mim

mas você está tão longe do jardim

você é tão bonita assim

ingênua e felina

deixei de ser down e estou aí

eu deixei de ser punheteiro

cansei de ficar horas no banheiro

se você soubesse

quantos dias fiquei sem dormir

eu queria estar aí

baby, eu queria estar dentro de ti

eu olho minhas mãos

abro os meus braços

coloco óculos e disfarço

a vida é linda

mas a sua bunda é muito mais

quando estou contigo

estou em paz!



Foi aplaudido por mais de meia hora.

Devolveu o violão ao rapaz e voltou a catar as latinhas espalhadas pelo chão.

Dizem que depois disso ninguém mais se meteu à besta com ele, e era bem querido por todos que o encontravam.

Nunca mais falou em praça pública ou cantou.

Até hoje, quem ouviu, quem viu o Beato Conselheiro, entendeu que a loucura é o tesão das pessoas que se dizem normais.

A loucura do Beato era o amor não correspondido, amor que o fez ser livre.

Dizem que disso ele nunca abriu mão.

Quando morreu, estava caminhando; sempre em frente...era o que dizia quando passava por alguém que sorria para ele; foi enterrado com honras de Estado, por serviços prestados aos moradores de rua, andarilhos como ele.

Dizem que hoje em dia ainda é visto por muitas pessoas, nas noites de lua cheia caminhando pelo calçadão da baia de Vitória-ES.



Título: Velho Andarilho ®

Autor: Emerson Sbardelotti

27 de novembro de 2010

12:13

sábado, 13 de novembro de 2010

YVY MARÃ EI

YVY MARÃ EI (A TERRA SEM MALES)
- Releitura do Êxodo 3: enquanto vejo Tupinikins e Guarani sendo mortos pela Aracruz Celulose -
Muito tempo depois morreu o Imperador do Mal, e os Filhos do Sol, gemendo sob o peso da escravidão e da extinção, clamavam, e do fundo da escravidão e da extinção o seu clamor subiu até Tupã. E Tupã ouviu os seus lamentos e gemidos; Tupã lembrou-se do dia em que dançou com os grandes caciques, com os grandes pajés, com os grandes xamãs com os grandes anciãos. Tupã viu o os Filhos do Sol e os conheceu e se compadeceu.
Eis que caçava e pescava Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe, as margens do Araguaia, próximo aos Karajás, num território que já não pertencia a ele, nem aos seus semelhantes, muito menos aos seus antepassados e isso aumentava ainda mais o sofrimento que trazia em sua alma. E Tupã lhe apareceu no meio dos toros. Os toros originaram o Quarup. E os toros dançavam, como se estivessem vivos e estavam. E os toros dançavam ao som do canto dos pássaros da floresta, ao som de tambores que Galdino nunca tinha ouvido antes. E Galdino disse: "Darei uma volta e verei este fenômeno estranho, verei por que os toros dançam, como se vivos estivessem, como se guerreiros fossem".
E Tupã viu que Galdino deu uma volta para ele ver. E Tupã o chamou: "Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe".
Galdino respondeu: "Eis-me aqui".
Tupã disse: "Eis a Criação! Dance! Dance para te aproximar. Eis a Pacha Mama e teus antepassados, eis a Grande Gaia! Eu sou Tupã! Eu sou Tupã!"
E Galdino dançou, e ouviu os cantos dos pássaros e dos tambores. E dançou ao redor dos toros onde estava Tupã.
E disse Tupã: "Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está nesta terra continental. Ouvi o seu clamor, o seu lamento por causa dos opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de liberta-lo da mão do Mal, e para faze-lo subir desta terra a uma terra boa e vasta, terra onde se pesca e caça, onde se planta e colhe, terra onde não existe a morte, onde não há extinção, terra em que não há exclusão. Agora o clamor dos Filhos do Sol chegou até a mim, e também sinto a opressão com que o Mal está oprimindo. Vai, agora, pois eu te enviarei para subir desta terra e ir para o lugar que se chamaYvy marã ei, onde dançaremos a feliz dança da vida".
Então Galdino disse a Tupã: "Como farei sair os Filhos do Sol para a terra sem males?"
"Eu estarei contigo", disse Tupã. E disse ainda: "Vai, reúne os caciques e anciãos e diga-lhes: "Tupã, o Deus de nossos pais, de nossas mães, me apareceu dizendo: "Subirão todos para Yvy marã ei, e dançaremos a dança da vida".
Mas disse Galdino: "Não nos deixarão sair. Seremos assassinados... Destruirão nossa cultura. Nos queimarão vivos enquanto dormimos!"
E disse Tupã: "Estenderei minha mão e ferirei aquele que se diz poderoso. Neste dia a onça pintada não sairá para caçar, o jacaré não entrará no rio, as piranhas não se alimentarão, os pássaros não irão voar nem cantarão, pois Tupã ferirá a casa d'Aquele que se diz poderoso. Se ouvirá em toda a floresta, vale ou campina, na praia ou sertão, o som da guerra em favor do meu povo. E quando todo o povo indígena partir, uma vida nova estará nascendo por essa nova estrada em que caminham os meus guerreiros, as minhas guerreiras.
Eis a terra que lhes dou: Yvy marã ei!"
E Galdino saiu da presença de Tupã com seu espírito fortalecido. Sentira agora, coisas que o sofrimento apagara de seu coração guerreiro. Correndo pela floresta fez a experiência plena na certeza da vitória, pois Tupã desceu e se fez indígena no meio do seu povo.

Emerson Sbardelotti
Prêmio Páginas Neobíblicas da Agenda Latinoamericamundial 2003.

domingo, 26 de setembro de 2010

BAIÃO DE DOIS DO POETA

BAIÃO DE DOIS DO POETA

Este é um prato típico da culinária nordestina, imortalizado na música de Luiz Gonzaga. Assim como os nordestinos é um prato forte, mas de sabor inigualável.
E se tornou um verdadeiro sucesso quando eu fiz para as festas de confraternização da COMUNA PRÉ-VESTIBULAR POPULAR, sendo lembrado e requisitado até hoje.
Espero que vocês possam fazer em casa e que se lambuzem muito. Vamos a minha receita já adaptada do que ouvi meu pai me falar a muito tempo atrás. As medidas vocês podem ir diminuindo conforme a quantidade de pessoas, e não fiquem nervosos, demora mesmo para fazer o prato...rs...
Abreijos.
Ingredientes:
2kg de feijão de corda
1kg de carne seca (dessalgada, cortada em cubos, cozida)
1kg de costelinha de porco (cozida, cortada em pedaços)
500g de mandioca
300g de bacon
300g de queijo coalho (cortado em fatias finas)
4 colheres (sopa) de manteiga de garrafa
3 paios (cortados em rodelas)
3 linguiças defumadas grandes (cortadas em rodelas)
3 linguiças defumadas finas (cortadas em rodelas)
3 tabletes de caldo de bacon
3 xícaras (chá) de arroz
2 pimentões verdes (picados)
2 cebolas grandes (picadas ou raladas)
2 abobrinhas cortadas
1 cabeça de alho amassada
tempero verde a gosto (picado)
Preparo:
1. Lave o feijão de corda e deixe-o de molho de véspera, troque a água de tempo em tempo.
2. No dia seguinte, cozinhe-o juntamente com o paio, as linguiças defumadas, o bacon, a carne seca, mandioca, costelinha de porco, abobrinhas e o caldo de bacon, dissolvido em dois litros e meio de água fria ou mais se for o caso.
3. Tampe a panela e deixe cozinhar em fogo baixo por cerca de 1 hora.
4. Em outra panela doure a cebola e o alho, na manteiga de garrafa.
5. Junte o coentro e o arroz e refogue bem até ficar brilhante e um pouco transparente.
6. Misture bem com o feijão e os outros ingredientes, tampe a panela e deixe cozinhar até que o arroz fique cozido, úmido e com consistência cremosa.
7. Durante o cozimento do arroz, se necessário adicione água, tomando o cuidado para não deixar a mistura ficar seca.
8. Junte a salsinha, salsão, cebolinha verde...tudo bem cortado e ou picado...e mexa com cuidado.
9. Cubra com as fatias de queijo coalho.
10. Tampe a panela e deixe que o vapor derreta o queijo.
Depois disso tudo...nem cachorro come...pois não sobra...bom apetite.
Me mandem suas conclusões depois de terem saboreado esse prato maravilhoso da culinária nordestina e brasileira.
Emerson Sbardelotti

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Campanha TODOS CONTRA A DEMAGOGIA

TODOS CONTRA A DEMAGOGIA

Pedidos de camisa pelo email: todoscontraademagogia@gmail.com
Estas serão entregues antes das eleições deste ano.
Maiores informações pelo email ou pela comunidade no orkut.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

PENSO, LOGO EXISTO

PENSO, LOGO EXISTO

Estou sentado no banco da praça
meu cachorro testemunha o meu cansaço
olho para frente e só vejo o passado
as marcas estão no corpo e por todo o lado

as pessoas passam depressa
não olham para mim
queria estar conversando com alguém
pois conversar é igual a cuidar de um jardim

eu cuido do jardim da praça
aqui é a minha vida e a minha casa
é esta a crença que sigo
penso, logo existo

a solidão das pessoas pode ser a culpada
pela violência que aumenta ainda mais
uma menina se interessou pelo meu cachorro
e pra mim um sorriso cheio de paz

mas o meu cachorro insistiu em ficar
e eu fiquei um pouco mais feliz
amanhã seu moço, se passar por aqui
não se esqueça de admirar o jardim

Emerson Sbardelotti
12 de julho de 2010
15:58
Foto de Anny Arantes
*direitos reservados*

NAQUELA CASA

NAQUELA CASA

Naquela casa
o tempo não passou
naquela casa
nosso amor começou

aquelas árvores são testemunhas
dos gemidos e de todas as aventuras
nas noites de lua cheia não tinhamos medo da escuridão
dormiamos à beira da fogueira, como viemos, no chão

mas não há loucura maior do que bem viver
naquele mar planejamos ser três
só restou a lembrança no retrato antigo
e o desejo de lhe abraçar só mais uma vez

naquela casa
quando entro, choro de emoção
naquela casa
deixei minha paz e o meu violão

e a vida insiste em continuar
e a cada nova estrada sinto algo
que naquela casa experimentei
por mais que eu ande, ali é o meu lugar

Emerson Sbardelotti
12 de julho de 2010
15:39
Foto: Anny Arantes - Paraty/RJ
*direitos reservados*

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A CAPELINHA


A CAPELINHA

A capelinha ainda está no mesmo lugar
onde nos vimos pela primeira vez
onde fizemos as primeiras juras de amor
lá eu lhe entreguei o meu coração

a capelinha nos abrigou nas noites de lua cheia
nos protegeu de todos os perigos e das tentações
tanta história para contar e relembrar
mas a vida não parou e eu só pude olhar

para o presente que hoje vivo
a ferida cicatrizou e insisto em
visitar os lugares de nossa felicidade
consigo relaxar e entrar para a eternidade

a capelinha pode não estar ali quando eu voltar
daqui alguns anos se a idade deixar
e aproveito para tirar uma foto e por instantes
vejo você com braços abertos a me chamar

Emerson Sbardelotti
09 de julho de 2010
19:53
Foto de Anny Arantes - Capelinha da Fazenda Santana - Pantaleão (Amparo/SP)
*direitos reservados*

DE COSTAS

DE COSTAS

Os cabelos soltos e encaracolados
o olhar fixo para a beleza
na praia do Félix encontrou a certeza
que estar vivo é estar feliz
de costas para a tristeza
de frente para a natureza

e as ondas ainda não alcançaram os seus pés
e os pensamentos viajam na mesma direção
o olhar fixo não percebe a lágrima que escorre
deslizando por todo o corpo alcança o chão
e as ondas ainda não alcançaram os seus pés
mas o barulho que fazem...fazem uma canção

de costas a sensualidade aflora
de tarde está na hora de ir embora
sentada na pedra ela olha
e os cabelos encaracolados se soltam mais
o vento sopra na matinha anunciando
que as ondas molham seus pés...é a paz

Emerson Sbardelotti
09 de julho de 2010
19:22
modelo fotografada: Anny Arantes - Praia do Félix
*direitos reservados*

quinta-feira, 8 de julho de 2010

CASA DA VÓ JOANA

CASA DA VÓ JOANA

O tempo passou tão depressa
o tempo é amigo que chega sem avisar
o tempo é inimigo para quem não reza
naquele número 3 em Paraty, a bonança
a casa da Vó Joana

naquela antiga janela ela ainda está descansando
olhando o futuro com olhos cansados do passado
e coloca suas mãos no rosto segurando o queixo
as mudanças não mudaram o que tem de melhor
dentro do peito...depois do último beijo...dentro do peito...

nenhuma ruga irá sair do seu rosto
ela não apagará tudo o que de bom viveu
o que de aconteceu de ruim, chorou e já se perdeu
nos cabelos brancos a serenidade dos dias e da canção
não há só a saudade, mas sim, a vida em seu coração

na casa da vó Joana você será sempre bem vindo
você estará sempre perto do aconchego
naquela antiga janela os olhos do passado
enxergam o presente com esperança e amor
na casa da vó Joana, o tempo foi mas voltou

Emerson Sbardelotti
09 de julho de 2010
02:46
A partir de foto de Anny Arantes em Paraty/RJ
*direitos reservados*

quarta-feira, 7 de julho de 2010

EU VOU CANTAR

EU VOU CANTAR

eu amo a poesia

mas o que seria de mim

sem o teu amor

sem a filosofia

que existe no teu olhar


eu berro nas minhas músicas

eu berro pois não sei chorar

neste eterno blues tão azul

minha ignorância virou adubo

como cinzas em alto-mar


baby, o poeta voltou

e ele vai gritar

baby, você exagerou

ele vai deitar e rolar

e eu vou cantar


Emerson Sbardelotti


07 de julho de 2010

20 anos sem Cazuza

1 dia sem Ezequiel Neves

11:40


*direitos reservados*

sábado, 19 de junho de 2010

DISCURSO - HOSPEDAGEM NOTURNO 2010/1

DISCURSO DO PARANINFO – MAIO – 2010

CURSO TÉCNICO DE HOSPEDAGEM – NOTURNO – TURMA B

Desejo de todo coração que estas palavras de carinho e de despedida cheguem aos corações de minhas afilhadas e de meu afilhado da Turma B, como aquele abraço afetuoso e saudoso da hora da partida que hoje se realiza. Todo caminhar tem seu início, o seu meio e o seu fim. E por isso estamos aqui. Para uma última caminhada.
Em 2009 vocês começaram o Curso Técnico de Hospedagem, a primeira turma, e chegavam cheios, cheias, de expectativas e emoções, com vários, várias colegas, cada um, cada uma, com qualidades e defeitos, e isso tudo, fez com que a Turma se unisse e conquistasse o coração desse professor e o de outros colegas na Instituição; infelizmente, alguns, algumas, como diria o livro de Sun Tzu – A Arte da Guerra - não resistiram às batalhas e ficaram pelo caminho. Vocês, cruzaram a fronteira final e ganharam a guerra, agora resta, para vocês, um último ato: essa nossa última aula; uma última lição antes de vocês voltarem para suas casas e traçarem, planejarem individualmente a organização do futuro a partir do conhecimento que juntos nós construímos.
Não esquecerei nenhum dos vários momentos em que fomos cúmplices nas aulas que vocês me ajudaram a preparar, pois, apesar de uma preparação prévia, sempre valorizei o que o meu afilhado e as minhas afilhadas traziam de novidade, de inquietações, pois a verdadeira recompensa de um professor é sentir dentro do peito que seus alunos, suas alunas, não aprenderam a repetirem teorias, mas cresceram enquanto seres humanos. Lecionando para vocês, aprendi muito mais do que ouvir, aprendi a escutar os desejos que vocês não conseguiam ou não queriam falar em voz alta...foi descobrindo pequenas coisas em vocês que pude melhorar enquanto profissional, que pude melhorar enquanto ser humano para realizar grandes coisas.
Não esquecerei os sorrisos de vocês. Não esquecerei as brigas que fizeram crescer. Não esquecerei a dedicação em todos os eventos e idéias que foram propostas, e que com humildade, e senso de profissionalismo, realizaram com maestria. Não esquecerei que já não nos víamos como professor e alunos, nem como líder e equipe de trabalho, mas como um grupo de amigos e nem por isso a aula deixou de ser séria e ao mesmo tempo humorada. Não vou esquecer que aprendi a amar vocês.
O amor é a expressão mais custosa do cuidado, pois tudo o que amamos, também cuidamos, e se cuidamos, é sinal de que muito amamos. Ter ido ao encontro de vocês e vocês de virem ao meu encontro proporcionou, para nós, uma relação de aliança, de amizade que não será quebrada, pois nós, nos fizemos importantes uns para os outros, mobilizando assim nossas energias vitais; e por nos amarmos tanto, é que chegamos a esta última aula, rejuvenescidos e com a sensação maravilhosa de estarmos começando a vida de novo e agora.
Se fui o professor chato, com cara de poucos amigos e mal amado; se fui o professor que em todas as aulas exigia de vocês sempre o melhor; hoje posso dizer com alegria que vocês chegaram ao final, apaixonados pelo Curso Técnico de Hospedagem, que dentre os demais cursos, sempre privilegiou o encontro e o diálogo, o respeito ao outro e a Natureza. Afinal ela é o nosso objeto de estudo. Sem ela nada somos enquanto profissionais, dependemos dela para tudo na nossa carreira. É por isso que peço a vocês, agora como Técnicos em Hospedagem, que protejam a Natureza, o ambiente inteiro onde vivem, protejam a vida. Nossa profissão exige de nós uma consciência ecológica e um envolvimento com a Mãe-Terra, ela é um organismo vivo e precisa de nós. Não seremos os salvadores do planeta, mas por conta de nossa intuição, de nossa criatividade, poderemos fazer do nosso Continente, do nosso Brasil, do nosso Estado do Espírito Santo, das nossas cidades capixabas, um outro mundo novo e possível. Onde possamos viver em paz e com abundância.
E é com esse desejo de paz que eu gostaria de retribuir a homenagem que vocês me fizeram, escolhendo-me para ser o seu paraninfo com algumas imagens captadas de momentos únicos na vida de vocês e uma música muito bonita, que eu sei...irá emocionar vocês e nunca mais irão se esquecer de mim, como eu não vou me esquecer de vocês.
Pois seguiremos nossas vidas, tocando em frente.

TOCANDO EM FRENTE (ALMIR SATER & RENATO TEIXEIRA)

Ando devagar por que já tive pressa
E levo esse sorriso por que já chorei demais
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz quem sabe
Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Eu nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir

Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada eu sou
Estrada eu vou

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir

Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir

Ando devagar por que já tive pressa
E levo esse sorriso por que já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Encerro aqui a minha parte na História de vida de cada um, de cada uma de vocês. Tudo o que de bom eu aprendi, eu partilhei com vocês. Pois sempre priorizei entregar para vocês o melhor que eu tinha e tenho dentro de mim. Sempre acreditei em vocês. Sempre torci pelo sucesso de vocês. E posso dizer com satisfação, que foi a melhor equipe com quem eu já trabalhei nestes anos todos em que sou Turismólogo. Muito obrigado por vocês existirem. Continuem estudando, pesquisando e buscando. Vocês chegarão muito longe, onde eu não consegui. Um grande abraço e até um dia.

Emerson Sbardelotti Tavares
Turismólogo
* direitos reservados *




terça-feira, 8 de junho de 2010

SANGUE E SOMBRAS

SANGUE E SOMBRAS

Uma vez um velho índio me disse:
Nem sempre conseguimos o que queremos
Mas, nem por isso,
O que queremos deve ser a última etapa do conseguir.
Há sempre algo a mais para se fazer pelo ser humano
Há sempre algo a mais para se fazer pela Mãe Terra
Deve existir sempre o meio termo entre o caçador e a fera

E todos nós voltaremos ao barro primeiro
Àquela primeira explosão
Àquele primeiro acorde do antigo violão
E todos nós iniciaremos um novo diálogo
A partir de um mistério profundo
A partir de um encontro oriundo
Com a vida: plenitude e canção

É preciso muitas vezes dar uns calos
Para lembrarmos dos pés
No caminho o que mais incomoda
Não é a distância a percorrer
Mas a pedrinha que entra debaixo deles
De que importa as cores de nossas peles
Se a cor do sangue de nossas veias
E de nossas sombras são as mesmas

Emerson Sbardelotti
08 de junho de 2010
21:57
*direitos reservados*

domingo, 4 de abril de 2010

HISTÓRIA ANTIGA QUE ESCUTEI DOS ANTIGOS

Ele entrou na cidade montado num burrinho...
Sem coroa, sem cetro, sem algum poder real.
Mantos, ramos e palmeiras eram vistos pelo caminho, até as pedras gritaram e as crianças aplaudiram.
As mulheres e os homens, desde a Galiléia acompanhavam, os inimigos estavam vigiando para capturá-lo e o fariam em breve e se cumpriria a profecia.

No banquete da despedida Ele se transformou em vinho e em pão, alimentos daquela época, daquela nação:
TOMAI O MEU SANGUE, COMEI O MEU CORPO, FAZEI ISSO EM MEMÓRIA DE MIM!
Abaixou-se, de um a um, lavou os pés, enxugou e beijou.
No final insistiu que o que tinham visto se repetisse sempre, pois não estariam com Ele se não fizessem o que foi ensinado.
Mas o traidor se afastou do grupo e dos inimigos se aproximou, vendeu a sua salvação por 30 moedas e por um beijo no carpinteiro, e junto com soldados foram atrás do tumultuador.

Ele no jardim com os demais companheiros que dormiam,
enquanto rezava e conversava com o Pai que nada dizia, insistia para que os companheiros se mantivessem atentos aos inimigos da luz, mas chegava a sua hora e eles estavam no jardim... o traidor com um beijo o entregou.
Seus companheiros fugiram...como ovelhas sem pastor...
Foi levado, questionado, insultado e maltratado...um dos seus companheiros o negará por 3 vezes antes do galo cantar e o traidor devolverá as 30 moedas e se enforcará.

O procurador romano tentará soltá-lo não vendo culpa nele mas o ódio das elites era grande demais.
Mas o que é a verdade?
Bateram muito nele, caçoaram muito dele, presentearam-no com um manto e com uma coroa de espinhos, no final o procurador romano lavou suas mãos e o mandou crucificar.
Ele com uma cruz nos braços seguiu pelos caminhos que antes havia anunciado a paz, a fraternidade e a esperança, apanhando e tendo que continuar, viu que mulheres choravam a cada tropeço e a cada caída.
Foi despido de suas vestes, dividiram-nas num jogo de sorte.
Cuspiram nele, zombaram dele, não creram nele, mesmo assim pediu para que o Pai os perdoasse, pois não sabiam o que faziam.
Pediu um pouco de água, lhe deram vinagre.
Com falta de ar veio a falecer pregado ao madeiro.
Um soldado rasgou-lhe o seu lado direito e a cortina do Templo rasgou de cima a baixo.

As mulheres que ali ficaram choravam enquanto o tiravam da cruz.
Sua mãe o apoiou em seu colo e tocando-lhe os cabelos ensaguentados o beijou, e o puxou para si, dando um grande grito de dor.
Limparam-lhe o corpo, o perfumaram com mirra e o embrulharam em lençóis...colocaram-no numa sepultura novinha...rolaram a pedra e selaram a entrada.

Os pássaros ainda não haviam cantado no e as mulheres voltaram ao túmulo para perfumarem o Mestre; encontraram dois jardineiros com roupas muito brancas e brilhantes, eles diziam que aquele que procuravam não estava mais ali mas que havia ressuscitado e as esperavam com o resto do grupo na Galiléia.
Elas voltaram e contaram ao grupo, mas estes não acreditaram. Dois deles correram até o túmulo, viram tudo como elas haviam dito e voltaram assustados.
Depois chegou mais um casal, que haviam ido para Emaús e agora retornavam dizendo que Ele havia aparecido para eles, relembrado toda a história de Israel e que aquilo queimava o coração deles, mas na fração do pão o reconheceram e ele sumiu, havia ido para dentro deles e os dois voltaram para anunciar a novidade.
Um deles não estava presente quando Ele apareceu:
A PAZ ESTEJA COM VOCÊS!
Por isso só acreditaria quando pudesse ver e tocar as feridas nas suas mãos e no seu lado com suas próprias mãos e
isso não demorou acontecer...outros acreditaram sem precisarem ver e sem precisarem tocar.
Por mais alguns dias Ele continuou a preparar os seus amigos e amigas para os desafios que iriam enfrentar frente ao povo, frente aos líderes, frente ao Império.
E foi desaparecendo no imenso céu azul na frente dos olhos deles, na frente dos olhos delas.
Mas não ficaram ali parados...não ficaram.

Hoje recontando o que ouvi dos antigos entendi que quando temos um compromisso com a defesa da vida, a morte não é forte o suficiente para nos enfrentar.

Emerson Sbardelotti

Estudante do Curso Superior de Teologia do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo

Turismólogo

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.

Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.

sábado, 20 de março de 2010

UTOPIA POÉTICA

Felicia Borges

Emerson Sbardelotti Tavares escreve poesias não é de hoje. Catalogadas, ela crê que deve ter mais ou menos umas mil guardadas em um armário de casa, desde que começou, por volta de 1985. Algumas de suas poesias já foram musicadas por artistas capixabas, mas agora, nesta quarta-feira (14), Emerson lança o livro Utopia Poética, com um pouco deste trabalho.Ao todo, são 100 poesias, divididas em nove capítulos, a maioria escritas a partir de 2004 e algumas da década de 1990. Os temas são os mais variados: fé e vida, autobiografia, cidadania, questões sociais, amor. "Além de ser um prazer imenso, ao mesmo tempo é uma válvula de escape para vários problemas", fala o autor.Entre as referências, são vários os nomes que Emerson cita de autores nacionais e internacionais. "Sempre gostei de ler poesia. Tenho aqueles poetas de cabeceira, que são Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Pablo Neruda, José Saramago, Monteiro Lobato, Ziraldo. Fui lendo durante a vida e fui vivendo essas poesias", diz.Formado em Turismo, Emerson trabalha como educador popular, em pré-vestibulares alternativos, dando aulas de ética, cidadania e história, e como professor ele conta que busca sempre incentivar seus alunos a tomarem gosto pela leitura. "Eu sempre gostei muito de ler. Eu acredito que você só escreve bem se você lê bem. Com a lógica da internet, das abreviações de palavras, isso tem sido muito prejudicado", acredita.O livro é a primeira parte do projeto, que prevê, para o ano que vem, o lançamento de um CD com os poemas musicados por amigos do poeta e por ele mesmo, que também é músico. Utopia Poética é o segundo livro de Emerson Tavares, que já lançou O Mistério e o Sopro, com roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens.ServiçoO lançamento do livro Utopia Poética, de Emerson Sbardelotti Tavares, será nesta quarta-feira (14), a partir das 18h, na Biblioteca Pública de Vila Velha, dentro do prédio Titanic, no Centro de Vila Velha, pelo CEBI - Centro de Estudos Bíblicos. Durante o lançamento do livro, haverá declamação de poemas, apresentações musicais, coquetel e momento de autógrafos com o autor. O livro será vendido a R$10.
O preço médio é R$ 13,00 pelo vendas@cebi.org.br

YVY MARÃ EI

Primeiro prêmio do Concurso de Páginas Neobíblicas convocado pela Agenda Latinoamericana-Mundial'2002na sua VII edição.Veja a nova convocatória que traz a Agenda'2003 (VIII edição).

YVY MARÃ EI (A TERRA SEM MALES)
Releitura do Éxodo 3: enquanto vejo Tupiniquins e Guranis sendo mortos pela Aracruz Celulose

Muito tempo depois morreu o Imperador do Mal, e os Filhos do Sol, gemendo sob o peso da escravidão e da extinção, clamavam, e do fundo da escravidão e da extinção o seu clamor subiu até Tupã. E Tupã ouviu os seus lamentos e gemidos; Tupã lembrou-se do dia em que dançou com os grandes caciques, com os grandes pajés, com os grandes xamãs com os grandes anciãos. Tupã viu o os Filhos do Sol e os conheceu e se compadeceu.
Eis que caçava e pescava Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe, as margens do Araguaia, próximo aos Karajás, num território que já não pertencia a ele, nem aos seus semelhantes, muito menos aos seus antepassados e isso aumentava ainda mais o sofrimento que trazia em sua alma. E Tupã lhe apareceu no meio dos toros. Os toros originaram o Quarup. E os toros dançavam, como se estivessem vivos e estavam. E os toros dançavam ao som do canto dos pássaros da floresta, ao som de tambores que Galdino nunca tinha ouvido antes. E Galdino disse: “Darei uma volta e verei este fenômeno estranho, verei por que os toros dançam, como se vivos estivessem, como se guerreiros fossem”.
E Tupã viu que Galdino deu uma volta para ele ver. E Tupã o chamou: “Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe”.
Galdino respondeu: “Eis-me aqui”.
Tupã disse: “Eis a Criação! Dance! Dance para te aproximar. Eis a Pacha Mama e teus antepassados, eis a Grande Gaia! Eu sou Tupã! Eu sou Tupã!”
E Galdino dançou, e ouviu os cantos dos pássaros e dos tambores. E dançou ao redor dos toros onde estava Tupã.
E disse Tupã: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está nesta terra continental. Ouvi o seu clamor, o seu lamento por causa dos opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de liberta-lo da mão do Mal, e para faze-lo subir desta terra a uma terra boa e vasta, terra onde se pesca e caça, onde se planta e colhe, terra onde não existe a morte, onde não há extinção, terra em que não há exclusão. Agora o clamor dos Filhos do Sol chegou até a mim, e também sinto a opressão com que o Mal está oprimindo. Vai, agora, pois eu te enviarei para subir desta terra e ir para o lugar que se chamaYvy marã ei, onde dançaremos a feliz dança da vida”.
Então Galdino disse a Tupã: “Como farei sair os Filhos do Sol para a terra sem males?”
“Eu estarei contigo”, disse Tupã. E disse ainda: “Vai, reúne os caciques e anciãos e diga-lhes: “Tupã, o Deus de nossos pais, de nossas mães, me apareceu dizendo: “Subirão todos para Yvy marã ei, e dançaremos a dança da vida”.
Mas disse Galdino: “Não nos deixarão sair. Seremos assassinados... Destruirão nossa cultura. Nos queimarão vivos enquanto dormimos!”
E disse Tupã: “Estenderei minha mão e ferirei aquele que se diz poderoso. Neste dia a onça pintada não sairá para caçar, o jacaré não entrará no rio, as piranhas não se alimentarão, os pássaros não irão voar nem cantarão, pois Tupã ferirá a casa d’Aquele que se diz poderoso. Se ouvirá em toda a floresta, vale ou campina, na praia ou sertão, o som da guerra em favor do meu povo. E quando todo o povo indígena partir, uma vida nova estará nascendo por essa nova estrada em que caminham os meus guerreiros, as minhas guerreiras.
Eis a terra que lhes dou: Yvy marã ei!”
E Galdino saiu da presença de Tupã com seu espírito fortalecido. Sentira agora, coisas que o sofrimento apagara de seu coração guerreiro. Correndo pela floresta fez a experiência plena na certeza da vitória, pois Tupã desceu e se fez indígena no meio do seu povo

Emerson Sbardelotti
Mestrando em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.