MEMORIAL
DE UMA IGREJA QUE CAMINHA COM ESPÍRITO A PARTIR DOS POBRES
De 26 a 30 de outubro de
2015 participei do II Congresso Continental de Teologia, promovido por
Ameríndia e pelo Instituto São Tomás de Aquino (ISTA), ocorrido na Casa de
Retiro São José, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Fui muito bem acolhido no
dia 25, na casa das Irmãs Sacramentinas, e lá reencontrei o querido amigo Pablo
Richard e outros jovens teólogos e teólogas da libertação, originários de
vários países da América Latina e Caribe, que conheci em 2012 durante o
Congresso Continental de Teologia ocorrido na Unisinos, em São Leopoldo, Rio
Grande do Sul. Ouvi de Pablo Richard um singelo elogio ao meu novo livro Espiritualidade
da Libertação Juvenil (CEBI, 2015), e o quanto essa publicação é
necessária para a formação de novos teólogos e teólogas da libertação em todo o
Continente. Ouvir tais palavras me encheram de alegria.
Pude ouvir histórias dos
bastidores das Conferências de Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida;
notar a preocupação com o avanço de forças ultraconservadoras em toda a América
Latina e Caribe; celebrar a alegria do Evangelho nas mudanças propostas pelo
Papa Francisco.
Na manhã do dia 26, acolhi o
querido Frei Carlos Mesters, que chegava de Angra dos Reis-RJ e que foi tomar
um café na casa das Irmãs Sacramentinas, onde ele tem uma amiga de muitos anos.
Frei Carlos sempre com uma disposição de adolescente, apesar de ter mais de 80
anos, e com uma alegria contagiante. Me despedi e fui para o ISTA, para a
última reunião de preparação e organização do Congresso com a equipe de
Ameríndia e com o padre Manoel Godoy, que me pediu para marcar o tempo de
caminhada da casa até o ISTA; “caminhando devagar”, como bem disse, para depois
avisar aos participantes do II Congresso.
A caminhada foi maravilhosa,
pois passei por dentro da Pontifícia Universidade Católica, olhando o prédio
antigo, todo em branco e azul em contraste com os prédios novos; daqui a pouco
avistei o Museu e finalmente cheguei ao ISTA, onde fui recebido por Manoel
Godoy e a equipe de Ameríndia. Almoçamos juntos e fomos para a Casa de Retiro,
onde credenciados continuamos a acertar os últimos detalhes.
A partir das 15 horas a Casa
começou a receber teólogos e teólogas de todo o Continente. O idioma foi o
espanhol, misturado em alguns momentos com o português. No final, todos, todas
se entenderam muito bem.
A conferência inaugural foi
feita pelo professor Leonardo Boff. Nos dias seguintes, seria a vez de Gustavo
Gutiérrez, Carlos Mesters, Francisco Orofino, Victor Codina, José Oscar Beozzo,
Pedro Trigo, várias teólogas da libertação; finalmente o II Congresso fez uma
linda homenagem a João Batista Libanio.
O II Congresso Continental
de Teologia avançou nos temas teológicos lançando perspectivas, propondo
prospectivas.
Se assumiu publicamente
apoiar o Papa Francisco nas mudanças que ele aos poucos vem fazendo. Uma carta
feita por Leonardo Boff, lida em plenária, e assinada por todos, todas, foi
enviada ao Papa Francisco.
Nos grupos de trabalho e nas
comunicações científicas, as discussões tiveram profundidade teológica o que
leva a equipe de Ameríndia a pensar numa publicação escrita que contemple os
grupos e as comunicações, dando oportunidade para novos teólogos e teólogas da
libertação.
Criei um poema a partir dos
relatórios enviados pela maioria dos grupos de trabalho e que resume bem a
criatividade e o compromisso de mulheres e homens envolvidos nas discussões
teológicas daqueles dias:
IGREJA QUE CAMINHA
COM ESPÍRITO E A PARTIR DOS POBRES
A
Divina Ruah vem antes e caminha ao nosso lado.
A
Divina Ruah sustenta as vozes em defesa da vida.
Reconstruir
a Igreja enquanto discipulado de iguais
é
garantir a cidadania que irá cicatrizar a ferida.
O
diálogo é a casa onde hospedamos o outro.
Tudo
é sagrado para quem encontra e respeita.
Eis
a revolução humana que nos faz crescer.
Misericórdia
é o dom que a profecia não rejeita.
A
equidade, a igualdade e a diversidade,
são
novas práticas pastorais e da educação.
O
Reino de Deus acontece no meio do povo
como
Palavra viva que jorra do coração.
Os
pontos fundamentais na história bíblica,
deveriam
ser os pontos da experiência humana.
Fé
na Palavra, fé na gente, que lê com olhos novos
a
realidade a partir dos pobres que não é profana
As
cidades enquanto sinais de esperança
são
aquelas que promovem a pluralidade:
de
religião, de sonhos, de trabalho, de cultura.
Onde
brotam espaços de participação e liberdade.
O
Bem Viver é a exigência maior do Reino de Deus.
Se
completa em autenticidade no seguimento da luz.
Os
mártires e os profetas são sinais para hoje, neste lugar,
e,
por isso, nada é mais alto que o mandamento da cruz.
A
Igreja que caminha com Espírito,
que
tem como riqueza o carisma e não o poder:
é
a Igreja que caminha a partir dos Pobres.
Comunidade
que constrói o homem e a mulher!
De
tudo o que vi e ouvi, posso dizer que a transmissão de conhecimento ocorreu de
forma espontânea nos momentos de intervalos e na hora do almoço e do jantar. As
mães e os pais da Teologia da Libertação ficaram desde o primeiro dia do
Congresso, se misturaram em nosso meio, não deixaram de responder a nenhuma
pergunta, brincaram, sorriram, nos levaram as lágrimas com seus depoimentos
cheios de vida, ternura, vigor e esperança. Victor Codina me deu um abraço
apertado quando me viu e me disse: “Li o seu livro Espiritualidade da
Libertação Juvenil, gostei muito, parabéns”. Diego Irarrazaval ao me presentear
com seu novo livro, me disse: “Seu livro Espiritualidade da Libertação Juvenil
é uma ferramenta importantíssima para o trabalho com as lideranças juvenis,
siga em frente, esse é o caminho”. Marcelo Barros me contou da alegria de
reencontrar tanta gente bacana e sedentas da Teologia da Libertação. Gustavo
Gutiérrez e Leonardo Boff falaram muitas coisas para mim, que até o presente
momento, ainda estou refletindo e rezando, acredito que mais para frente irei
colocar todas em prática, pois são indicações preciosas para ser um teólogo da
libertação.
De
todas essas conversas nasceu a vontade de voltarmos para nossos países, para
nossas casas, e pensarmos como difundir as propostas do Congresso no meio das
juventudes, criar novos espaços para observação da realidade e da transmissão
da Teologia da Libertação de acordo com cada lugar. Surgiu a ideia de se fazer
no Brasil um II Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidade Libertadora,
já que o anterior foi fruto do primeiro Congresso, e deu muito certo.
Sou
muito grato ao padre Manoel Godoy, a Rosario, e a toda a equipe de Ameríndia,
que me convidaram para ajudar a organizar e a trabalhar no II Congresso
Continental de Teologia, eu nunca mais vou esquecer todos os momentos ali
vividos, guardei cada um deles dentro do meu coração. E rezando cada um deles,
me preparo para seguir nesta caminhada, levando em frente, com outros jovens teólogos
e teólogas da libertação a tarefa de continuar a defender a vida, a ser Igreja
dos Pobres.
Não
se sabe ainda quando e onde será o III Encontro Continental de Teologia; nos
corredores ouvi conversas que sugerem ser próximo à canonização de D. Oscar
Romero (El Salvador) e ou nos 50 anos da Conferência de Medellín (Colômbia).
Cenas dos próximos capítulos.
Emerson Sbardelotti
Mestre em Teologia – PUC-SP
Autor de Espiritualidade da Libertação Juvenil. São Leopoldo: CEBI, 2015.
Autor de Utopia Poética. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Autor de O Mistério e o Sopro – Roteiros para Acampamentos Juvenis e
Reuniões de Grupos de Jovens. Brasília: 2005.
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