quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"A HISTÓRIA DE CADA UM/A DE NÓS".

CRISMA: UM HÁLITO DE VIDA!

“Então o Senhor modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente”. Gn 2,7.

ROTEIRO 02


“A HISTÓRIA DE CADA UM/A DE NÓS”.

“E a criança tão humana que é divina. É esta minha quotidiana vida de poeta, e é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre”.
Fernando Pessoa


OBJETIVOS

Procurar conhecer um pouco da história de vida de cada um/a dos/as participantes a partir da criação da árvore genealógica.
Valorizar as diferenças e aceitar os limites de cada um/a.
3. Favorecer o clima de integração entre os/as participantes.
4. Motivar os/as participantes para a perseverança e para o compromisso.

MATERIAL SUGERIDO

Fotos dos/as participantes (solicitadas ao final do último encontro; que seja em um tamanho bom para que todos/as possam visualizar e irem identificando-se; se for preciso coloque o nome atrás.), estas devem ser colocadas em círculo ao redor do altar, cangas coloridas colocadas no chão, bíblia, vela, incenso, música de fundo (repetindo várias vezes): Um Certo Galileu – Padre Zezinho, scj.

ACOLHIDA

A equipe que preparou o encontro possa estar meia hora antes do início, recepcionando a todos/as com carinho, sorrisos e abraços. Que todos/as estejam descalços/as (faça um cartaz com a frase bíblica que está em Ex 3,5: “Ele disse: Não te aproximes daqui; tire as sandálias dos pés porque o lugar em que estás é uma terra santa”.) e sejam convidados/as a se sentarem nas cangas, ao redor do altar previamente preparado. Alguém com voz suave e afinada deve entoar um refrão meditativo.

ORAÇÃO

Pai-Mãe da história, da nossa e de todos os povos da Terra.
Abençoa nossos passos e os caminhos que iremos trilhar na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e humana.
Santifica-nos pelo teu Espírito para que possamos dedicar toda a nossa vida a ti, com fez Jesus Cristo, nosso irmão, teu Filho, nosso Senhor. Amém.

DINÂMICA: A ÁRVORE

1º. Passo: Todos/as os/as participantes recebem uma folha de papel em branco, lápis, caneta ou pincel.
2º. Passo: Quem anima, pede para que os/as participantes acompanhem as orientações enquanto desejam. Haverá participante dizendo que não sabe desenhar, não ligue para isso, motive para que todos/as cumpram a tarefa.
3º. Passo: Peça aos/as participantes que desenhem a raiz de uma árvore e coloque aí a data do seu nascimento, o nome do pai, da mãe, do avô, da avó, do irmão, da irmã, do/a melhor amigo/a e de um acontecimento que marcou a vida de zero a cinco anos de idade.
4º. Passo: Peça aos/as participantes que desenhem o tronco da árvore e nele anote a motivação que lhe faz crescer enquanto jovem, enquanto ser humano.
5º. Passo: Peça aos/as participantes que desenhem as folhas, flores e frutos e escrevam os sonhos, as utopias e as esperanças que carregam no peito.
6º. Passo: Peça aos/as participantes que coloquem o próprio nome na árvore e que escolham uma outra árvore (colega), com quem irá partilhar o que foi escrito.
7º. Passo: Depois do cochicho, partilhar no grupo.

REFLETINDO JUNTOS

[Quem anima deverá fazer a ligação da dinâmica com o tema do encontro.]

Quais foram os sentimentos descobertos com esta dinâmica?
O que está faltando na história de cada um, cada uma de nós?
Nossas árvores são frutíferas? Nossas sombras conseguem acolher a quem as procuram?
Cada ser humano é um ser em construção, é um ser diferente dos demais seres e por isso mesmo, se torna tão apaixonante e apaixonado.
Cada ser humano tem a sua missão, mas a primeira missão, a mais importante é se auto-conhecer. Somente quando nos conhecemos em nossa profundidade, no nosso íntimo, é que podemos partir a passos largos em direção ao outro e viver emoções seguras e verdadeiras, com respeito e diálogo sincero.
Buscar na mente o nome de nossos antepassados não é uma coisa muito fácil, pois não temos a prática que possuem os Povos Indígenas do Continente americano, eles lembram de todos os nomes de seus antepassados, pois ao lembrarem conseguem se manter vivos, ao lembrarem entram em sintonia com a Mãe-Terra, e nesta comunhão conseguem tocar em frente as suas vidas. Buscar na mente e no coração o nome e as feições de pessoas queridas que já se foram, nos remetem ao fato de que nossa estadia nesta terra é curto, e por isso mesmo, precisamos viver com sabedoria e dignidade.

CANTO

Minha História – Chico Buarque.

A PALAVRA DO SENHOR

Mt 1, 18 – 25.


Quem anima pode fazer toda a turma viver uma cena teatral desta leitura, aparecem Maria grávida de Jesus, José seu esposo, o narrador e o anjo do Senhor. As falas ficam apenas para o narrador e o anjo do Senhor. Os/as leitores/as (escolhidos com antecedência) procurem proclamar a leitura com suavidade e clareza as palavras. Os personagens acima nada falarão, apenas com o olhar, com o semblante e com gestos serenos.

REFLETINDO JUNTOS II

[Quem anima oriente a refletirem no silêncio. Se for preciso repetir a leitura, que o faça, mas agora com todos sentados em círculo. Depois convidem a todos/as a falarem em uma frase ou uma palavra o que a leitura impulsiona a fazer. Levar os/as participantes a descobrirem o sentido profundo da leitura, as características marcantes de cada personagem. Deixe o tempo livre para a reflexão, valorizando a participação de todos/as.]

AVALIAÇÃO DO ENCONTRO

Como será a partir deste encontro contada e recontada a história de cada um/a de nós? Acrescentaremos ou tiraremos nomes de nossas árvores? Por que?
O que levamos de incentivador para nossos lares? Como faremos para repetir a experiência do encontro nos nossos lares?

NOSSO COMPROMISSO

O tema de nosso encontro de hoje foi: “A história de cada um/a de nós”. E agora, quando estamos nos despedindo e voltando para nossos lares, como é sentimos o Senhor nas nossas histórias de vida?
Maria disse sim ao Senhor para que Jesus viesse ao mundo e se tornasse o Deus Conosco. José, quis repudiá-la em segredo. Foi preciso a intervenção amorosa do anjo do Senhor, para que ele entendesse o projeto de vida traçado para a humanidade. Como é que cada um/a de nós hoje entendemos este projeto de vida?
Durante a semana poderíamos procurar na Bíblia, precisamente nos Evangelhos, os modelos de projeto de vida que o Senhor indicou por meio de Jesus para o povo de Israel. Depois de identificados, como é que poderíamos atualizá-los para os nossos dias atuais?
E anotar o que descobriu e o que atualizaria numa folha de papel para que possa ser pregada num varal no próximo encontro, e lido por todos/as.

DESPEDIDA

Quem anima se despede e faz despedir com muitos abraços e desejos de uma ida e uma volta sempre na certeza que somos filhos, filhas, amados/as pelo Senhor.
E abraçados em círculo, repetem com voz suave a seguinte oração:

ORAÇÃO A CRISTO
“Nós te seguiremos, Senhor Jesus.
Mas para que te sigamos, chama-nos.
Pois, sem ti, ninguém caminha.
Tu és, com efeito, o caminho, a verdade e a vida.
Recebe-nos como estrada acolhedora,
acalma-nos como só a verdade pode acalmar.
Vivifica-nos porque só tu és a vida”.
Santo Ambrósio (340 – 397 E.C.)



___________________

Este roteiro é para ser usado pelos grupos de jovens e pelas lideranças juvenis que servem à comunidade na Pastoral da Crisma.
O encontro não está de maneira alguma encerrado, pode ser ampliado e revisado. Contudo, peço, que me enviem tais ampliações e revisões pelo email institutocapixabadejuventude@gmail.com
Quando forem usar este roteiro, sempre, citem a fonte.


________________

Emerson Sbardelotti
Estudante do curso superior de Teologia no Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.
Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – ROTEIROS PARA ACAMPAMENTOS E REUNIÕES DE GRUPOS DE JOVENS. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.


Os demais roteiros estarão disponíveis no blog do autor:

http://omisterioeautopia.blogspot.com/

e no blog do ICJ- Instituto Capixaba de Juventude:

http://icjinstitutocapixabadejuventude.blogspot.com/

terça-feira, 22 de setembro de 2009

"VOCÊ FOI ESCOLHIDO/A PELO SENHOR".

CRISMA: UM HÁLITO DE VIDA!

“Então o Senhor modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente”. Gn 2,7.

ROTEIRO 01

“VOCÊ FOI ESCOLHIDO/A PELO SENHOR”.

“A essência de Deus não é a solidão, é comunhão”.
Papa João Paulo II

OBJETIVOS

1. Expressar a alegria de saber que é o Senhor quem escolhe e chama para experimentarem o Sacramento do Crisma na fraternidade em comunidade, nos diversos serviços, nas diversas pastorais e movimentos.
2. Favorecer o clima de apresentação e o entrosamento entre os/as participantes.
3. Salientar que o Crisma não é apenas mais um sacramento, mas com ele, somos fortalecidos no e pelo Espírito.
4. Motivar os/as participantes para a perseverança e para o compromisso.

MATERIAL SUGERIDO

Bíblia (aberta de preferência na leitura escolhida para este encontro); cartazes com frases bíblicas relacionadas ao encontro; cangas coloridas espalhadas pelo chão; música instrumental; vela acesa; bacia e ou alguns potes com água; uma toalha para serem enxugadas as mãos; argila; incenso (que deverá ser aceso antes da chegada dos/as participantes, criando um clima de silêncio e contemplação).

ACOLHIDA

A equipe que preparou o encontro possa estar meia hora antes do início, recepcionando a todos/as com carinho, sorrisos e abraços. Que todos/as estejam descalços/as e sejam convidados/as a se sentarem nas cangas, ao redor do altar previamente preparado. Alguém com voz suave e afinada deve entoar um refrão meditativo.

ORAÇÃO

Pai-Mãe de bondade, de carinho e amor.
Seus filhos e filhas estão aqui reunidos, escutaram o teu chamado e dispostos a lhe servir compareceram, felizes e motivados/as.
Se é do teu agrado, fortalece-nos no teu Espírito e conduza-nos a um outro mundo possível, agora e sempre. Amém.

DINÂMICA: O EU DE ARGILA.

1º. Passo: Todos/as sentados/as em círculo, no chão, bem à vontade. Aos poucos quem anima o encontro, vai pedindo que silenciem e se concentrem na argila que será entregue a cada um, a cada uma.
2º. Passo: Cada participante recebe uma quantidade suficiente de argila. Com esta, passa a modelar a si próprio, como se vê enquanto criatura do Senhor e enquanto ser vivente.
3º. Passo: Se possível, manter durante o processo de modelagem, a concentração e o silêncio.
4º. Passo: Expor a criatura criada, o eu de argila para os/as demais participantes. Destacar as características mais importantes e outras mais comuns como: nome, idade, escolaridade, estado civil, em que gostaria de trabalhar, planos para o futuro, etc. {É o momento em que os/as participantes irão se apresentar }.
5º. Passo: Deixar que o grupo partilhe o que foi experimentado: o que mais chamou atenção na dinâmica?

REFLETINDO JUNTOS

[Quem anima deverá fazer a ligação da dinâmica com o tema do encontro.]

O Senhor convoca a cada um, a cada uma de nós, desde o ventre materno. Nós não escolhemos o Senhor, é Ele quem nos escolhe e acolhe. É Ele que nos anima a caminhar e ir de encontro ao outro.
Somos filhos e filhas de um Deus da Vida, de um Deus amoroso, carinhoso, bondoso, misericordioso, que está sempre criando e recriando, por isso, esperando de nós orações e ações bem concretas e inspiradas na realidade do mundo em que vivemos.
Qual foi a sensação de estarmos criando um boneco de argila?
Este boneco, criação nossa, é o nosso espelho?
O sacramento do Crisma não é apenas mais um sacramento, mas é o sacramento que fortalece o nosso espírito no Espírito d’Ele. Faz parte dos Sacramentos da Iniciação Cristã: Batismo, Eucaristia e Crisma (Confirmação).
No Batismo, como nos lembra a Tradição da Igreja, somos incorporados ao corpo eclesial que tem como cabeça Jesus de Nazaré, divinamente humano, humanamente divino. Na Eucaristia, vivemos o memorial do Cordeiro de Deus: “Este é o meu corpo e o meu sangue, comam e bebam, em minha memória”. No Crisma, o Espírito sopra um hálito de vida, revigorando a nossa vida na vida de tantos irmãos e irmãs, local e globalmente ligados a nós na Vida d’Ele.
Mulher e homem, imagem de Deus... Nas palavras do teólogo Leonardo Boff: “seria um pai maternal e uma mãe paternal”... Em clara sintonia com o mundo, com todos os seres vivos... Nós somos terra...somos parte da terra...por isso, devemos saber cuidar de tudo que no Planeta Terra foi criado. Morrendo o Planeta, morremos todos.
O Senhor é o Deus da Vida...
Vida em abundância para todos, para todas, indistintamente.
Por causa do que o Senhor criou e somos suas testemunhas, podemos proclamar que não só acreditamos em Deus, mas sentimos Deus!

CANTO

Vocação – Padre Zezinho, sjc.

A PALAVRA DO SENHOR

Mc 1, 16 – 21; 2, 13 – 14; 3, 13 – 19.

O/A Leitor/a deverá proclamar a leitura de forma segura, transmitindo ternura e carinho, com a voz suave, de preferência tocando em cada um, em cada uma, (no ombro, nas mãos, na cabeça, andando ao redor deles) no momento em que o próprio Jesus convida seus discípulos. Os participantes devem se sentir chamados, convidados, convocados pela leitura a viverem o sacramento do Crisma.

REFLETINDO JUNTOS II

[Quem anima oriente a refletirem no silêncio. Se for preciso repetir a leitura, que o faça. Depois convidem a todos/as a falarem em uma frase ou uma palavra o que a leitura impulsiona a fazer. Levar os/as participantes a descobrirem o sentido profundo das ações de Jesus na leitura. Deixe o tempo livre para a reflexão, valorizando a participação de todos/as.]

AVALIAÇÃO DO ENCONTRO

O que mais lhe motivou no encontro de hoje, lhe fará retornar no próximo? Explique.
Nós acreditamos mais em Deus ou sentimos mais a Deus?

NOSSO COMPROMISSO

O tema de nosso encontro de hoje foi: “Você foi escolhido/a pelo Senhor”. E agora, quando estamos nos despedindo e voltando para nossos lares, como é que esta predileção do Senhor por nós está falando ou gritando em nossos corações?
Qual é o compromisso que cada um, cada uma de nós podemos assumir na prática durante toda esta semana? [Tempo para pensar.]
Jesus chamou os seus discípulos, e continua nos chamando hoje ainda; por isso vocês estão aqui...Sugerimos que vocês releiam a leitura deste encontro e durante a semana procurem perceber na comunidade, aquela equipe, aquela pastoral, aquele movimento, em que você possa se identificar. Conversar com as lideranças sobre como funcionam as equipes que participam e se envolvam, pois a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos.

DESPEDIDA

Quem anima se despede e faz despedir com muitos abraços e desejos de uma ida e uma volta sempre na certeza que somos filhos, filhas, amados/as pelo Senhor.
E abraçados em círculo, escutam no silêncio o seguinte pensamento:

“Quando mergulhamos no inferno existencial da solidão e nos sentimos marginalizados e excluídos. Ele nos sussurra: ‘Eu estou contigo’.
Quando ficamos abatidos pela perversão da humanidade, pelas chagas infligidas à Mãe Terra, pelas águas que contaminamos, o solo que envenenamos, o ar que poluímos, Ele suscita em nós um amor redobrado a tudo que existe e vive.
E quando nos sentimos prostrados, sem vontade de viver e de estar com os outros, Ele nos convida: ‘Vem à minha casa e repousa e refaz as forças e experimenta como é suave meu amor’.”
Leonardo Boff





___________________

Este roteiro é para ser usado pelos grupos de jovens e pelas lideranças juvenis que servem à comunidade na Pastoral da Crisma.
O encontro não está de maneira alguma encerrado, pode ser ampliado e revisado. Contudo, peço, que me enviem tais ampliações e revisões pelo email abaixo.
Quando forem usar este roteiro, sempre, citem a fonte.


________________

Emerson Sbardelotti
Estudante do curso superior de Teologia no Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.
Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – ROTEIROS PARA ACAMPAMENTOS E REUNIÕES DE GRUPOS DE JOVENS. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.


Os demais roteiros estarão disponíveis no blog do autor:

http://omisterioeautopia.blogspot.com/

e no blog do ICJ- Instituto Capixaba de Juventude:

http://icjinstitutocapixabadejuventude.blogspot.com/

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O RESPEITO AO DIFERENTE

O RESPEITO AO DIFERENTE

Vivemos numa sociedade localmente globalizada, onde nossas ações, experiências e vivências são globalmente locais.
Vivemos numa sociedade em que o pluralismo cultural e religioso dita a moda, a mídia e tudo o mais que se relaciona com o agir do ser humano. Eles se impõem, independente se você aceita ou não.
O meu e o seu ponto de vista deveria ser sempre a vista de um ponto.
Mas, infelizmente, não é assim que as coisas funcionam nesta sociedade em que o fundamentalismo religioso, o preconceito, impede o respeito, o encontro e o debate com o outro, com o diferente.
Como é possível viver uma religião, se esta e seus interlocutores não religam a terra com o céu, o profano com o sagrado, o corpo com a alma, o homem e a mulher?
Como é possível viver uma religião, se esta e seus pastores e padres não se sentem à vontade para dialogar com sinceridade e fraternura? E passam para seus rebanhos que o outro não está salvo por crer diferente, que é herege, infiel e diabólico!
Revisar a vida é um passo muito importante, mas quem hoje em sã consciência tem coragem para admitir os próprios erros? Sem que estes erros sejam usados nos programas religiosos das madrugadas na TV para aguçar o emocional humano psicologicamente perturbado, por isso, aberto a qualquer investida paliativa do sagrado.
Foram 20 séculos de exclusivismo cristão. Foram dois mil anos em que o cristianismo tem pensado – local, global, oficial e majoritariamente – ser a única religião verdadeira, enquanto todas as outras religiões seriam falsas.
Há religiões muito mais antigas que o cristianismo!
Há conceitos éticos e morais, muito mais acessíveis do que a ética e a moral cristã.
Cristo era cristão?
Ele não conviveu com pessoas diferentes e suas diferenças no seu tempo?
Onde estão os profetas e as profetisas, onde estão as discípulas e os discípulos que anunciam e denunciam?
A profecia morreu?
Como podemos entender o grito, o choro e o lamento dos primeiros habitantes da Nossa América, que ao atualizarem o memorial-fonte, relembram, com lágrimas e dores as violências cometidas pelos europeus?

“Nós índios dos Andes e da América, decidimos aproveitar a visita de João Paulo II para devolver-lhe sua Bíblia, porque em cinco séculos ela não nos deu nem amor, nem paz, nem justiça. Por favor, tome de novo sua Bíblia e devolva-a a nossos opressores, porque eles necessitam de seus preceitos morais mais do que nós. Porque desde a chegada de Cristovão Colombo, impôs-se à América pela força uma cultura, uma língua, uma religião e valores próprios da Europa. A Bíblia chegou a nós como parte do projeto colonial imposto. Ela foi a arma ideológica desse assalto colonialista. A espada espanhola que de dia atacava e assassinava o corpo dos índios, de noite se convertia na cruz que atava a alma índia”. [1]

Os povos indígenas estão errados ao fazerem este lamentoso, sentido e verdadeiro pedido ao Papa? Se estão errados, qual é este erro? Como ler a Bíblia se ela foi usada para matar seres humanos? De que outra forma expressariam sua vontade de serem livres, por séculos aprisionada e assassinada?

O poeta sente e pensa diferente. Por isso muitas vezes não é compreendido e a perseguição velada ou explicita acontece e ele adoece por não conseguir compreender por que é difícil aceitar o outro? A única forma que possui para se fazer ouvir vem em forma de palavras, comovidas e ácidas:

CONVIVER COM A DIFERENÇA [2]

o grande desafio do mundo
é conviver com a diferença
de aromas, texturas, sons e cores
sabores que no profundo ou nas alturas
deveriam encantar as pessoas

infelizmente nem todas
conseguem aceitar
aquilo que a princípio assusta
ver o sol a partir de tantos olhares
é ver o belo no diferente

e se nos fazem sangrar e jorrar
só terão como resposta o vermelho
no chão, nossas sombras são iguais
seremos sementes e flores nos quintais
já não terá valor aquele espelho

a grande opção é viver em harmonia
descobrindo a partir das duras derrotas
que cada um, cada uma, é companhia
na edificação do outro mundo possível
aprendendo e ensinando sempre uma nova rota

Como fazer acontecer o diálogo inter-religioso e ecumênico, se todas as mudanças são vistas como heresias e deturpações da ordem já estabelecida?
As mudanças não são também sopro do Espírito? Não são vontades do próprio Deus?
Apressadamente se julgam as pessoas que trabalham na construção de um outro mundo possível, esquecendo-se que há lugar para todos.
Lembro-me de uma parábola contada pelo querido amigo carmelita Frei Carlos Mesters, no final da década de 1990 e que até hoje, rende para o próprio, adjetivos, como: herege, infiel, lobo vermelho, padre comunista, entre outros. Mas quem o acusa não se esforça para saber qual foi o contexto em que a parábola foi escrita, qual foi a contribuição do autor para a caminhada da Igreja no Brasil e no Continente. É muito fácil somente acusar, levantar falsos testemunhos e dizer que nada do que escreve não presta...podemos pensar que a inveja é muito maior do que qualquer outro sentimento.
Quando há respeito, há o encontro e há o diálogo. É uma via de mão-dupla. É um caminho árduo, mas não impossível. Mesters já deu um passo significativo nesta direção, sem abrir mão de sua fé. Pelo contrário, sempre dialogou chegando primeiro com um sorriso e depois com um abraço bem apertado. Sempre se manteve fiel às suas convicções enquanto carmelita, enquanto parte do Magistério e do Povo desta Igreja. Eis a parábola:

UMA PARÁBOLA [3][4]

Quando Deus andou no mundo, a São Pedro disse assim:

Certa vez, Jesus reuniu os discípulos e as discípulas e disse: “Quando você forem anunciar o Reino, não devem levar dinheiro nem comida, mas devem confiar no povo. Chegando num lugar, se vocês forem acolhidos e o povo partilhar comida e casa com vocês, e se vocês participarem da vida deles trabalhando e tratando dos doentes e do pessoal marginalizado, sem voz nem vez, então podem dizer ao povo com toda a certeza: “Gente! Olhe aqui! O Reino chegou! Está chegando!”. E eles foram.
Jesus também foi. Andou, andou. Já era quase noite. Estava começando a escurecer, quando chegou num terreiro. O pessoal que entrava, saudava e dizia: “Boa Noite, Jesus! Sinta-se em casa. Participe com a gente!”. Jesus entrou. Viu o pessoal reunido. A maioria era pobre. Alguns, não muitos, da classe média. Todo o mundo dançando, alegre. Havia muita criança no meio. Viu como todos eles se abraçavam entre si. Viu como os brancos eram acolhidos pelos negros como irmãos. Jesus, ele também, foi sendo acolhido e abraçado. Estranhou, pois conheciam o nome dele. Eles o chamavam de Jesus, como se fossem amigo e irmão de longa data. Gostou de ser acolhido assim.
Via também como a mãe-de-santo recebia o abraço de todos e como ela retribuía acolhendo a todos. Viu como invocavam os orixás e como alguns vinham distribuindo passes para ajudar os aflitos, os doentes e os necessitados. Jesus também entrou na fila e foi até a mãe-de-santo. Quando chegou a vez dele, abraçou-a e ela disse: “A paz esteja com você, Jesus!”. Jesus respondeu: “Com a senhora também!”. E acrescentou: “Posso fazer uma pergunta?”. E ela disse: “Pois não Jesus!”. E ele disse: “Como é que a senhora me conhece? Como é que eles sabem o meu nome?”. E ela disse: “Mas Jesus, aqui todo o mundo conhece você. Você é muito amigo da gente. Sinta-se em casa, aqui no meio de nós!”.
Jesus olhou para ela e disse: “Muito obrigado!”. E continuou: “Mãe, estou gostando, pois o Reino de Deus já está aqui no meio de vocês!”. Ela olhou para ele e disse: “Muito obrigada, Jesus! Mas isto a gente já sabia. Ou melhor, já adivinhava! Obrigado por confirmar a gente. Você deve ter um orixá muito bom. Vamos dançar, para que ele venha nos ajudar!”. E Jesus entrou na dança. Dentro dele o coração pulava de alegria. Sentia uma felicidade imensa e dizia baixinho: “Pai eu te agradeço, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste ao povo humilde aqui do terreiro. Sim, Pai, assim foi do teu agrado!”. Dançou um tempão. No fim comeu pipoca, cocada e batata assada com óleo de dendê, que o pessoal partilhava com ele. E dentro dele, o coração repetia, sem cessar: “Sim, o Reino de Deus chegou! Pai, eu te agradeço! Assim foi do teu agrado!”

Fico imaginando que além desta proposta de colocar Jesus no encontro e no diálogo com as Religiões Africanas, podemos também colocá-lo no encontro com Muhammad e o Islamismo, no encontro com Siddhartha Gautama e o Budismo, no encontro com Kung-Fu-Tse e o Confucionismo, no encontro com todas as Religiões Indígenas, entre tantas outras, sem denegrir a ética, o amor, a mensagem, a humanidade e a divindade de Jesus, pois ele mesmo se colocava nesta direção quando iniciava colóquios com o centurião romano, com a cananéia, com a samaritana...ele não deixou de ser judeu para anunciar uma vida em abundância para todos.
Qual é o medo de convivermos com o diferente?
Qual é o medo que se tem em dialogar numa sociedade que é plural?
Jesus é fruto de uma particularidade histórica que caminha para a universalidade salvífica:
“O primeiro pressuposto é partir da particularidade histórica e geográfica de Jesus de Nazaré para chegar a universalidade do Cristo da fé. Nem as primeiras comunidades, nem os apóstolos tiveram conhecimento imediato de que em Jesus Cristo acontecia a revelação definitiva de Deus. Para eles, Jesus de Nazaré era um bom judeu, praticamente piedoso, reformador de práticas judaicas que diziam respeito à lei e ao templo. Em sua proposta significativamente revolucionária em termos religiosos e, a partir daí, sociais, políticos e culturais, eles perceberam que esse evento dizia respeito não somente ao entorno judaico, mas devia ser levado ao conhecimento e ao seguimento de todos os seres humanos.
Fora dessa particularidade histórica, geográfica, profundamente humana, de Jesus de Nazaré, o cristianismo transforma-se em idéia, ideologia, símbolo; o próprio Cristo torna-se mito. Como se sabe, idéias e ideologias que não estejam baseadas em práticas só conseguem impor-se pela força da razão e do poder. Elas não somente impedem o acesso às práticas, mas as encobrem e mascaram. Práticas, ao contrário, não se impõem; elas valem por si, como testemunho; são frutos da experiência, referem-se diretamente ao chão da existência. Analogamente, os símbolos que não estejam enraizados na realidade perdem seu significado, seu conteúdo, tornam-se magia. Esse é o risco constante do cristianismo: fora da pessoa e da prática de Jesus, transmuda-se em puro símbolo e magia, pura idéia e ideologia. Magia que desconecta a fé da realidade, tirando-lhe o vigor transformador e libertador. Ideologia que aliena a fé, justificando atitudes e instituições opressoras. O cristianismo, para anunciar a verdade salvífica de Cristo, deve referir-se constantemente à pessoa e à prática de Jesus. Sem Jesus, não há Cristo. É de Jesus, de sua particularidade histórica, que deve partir sempre a cristologia. Sobretudo em seu diálogo com as outras religiões.
Quando, no diálogo com as religiões, tomamos como ponto de partida a universalidade de Jesus Cristo, como Deus feito homem, morto e ressuscitado para a salvação de todos os seres humanos, uma universalidade que normalmente encobre sua particularidade histórica, geográfica, cultural, social, política, etc., somos imediatamente levados a impor nossa concepção religiosa sobre os outros. Partimos do pressuposto de que já temos toda a verdade, de que devemos, portanto, anunciá-la aos outros. O cristianismo cometeu graves pecados em sua história, por causa dessa concepção não-cristã de verdade e de prática evangelizadora, pecados pelos quais hoje freqüentemente acusados e dos quais somos convidados a pedir perdão, conduzidos pela sábia decisão de João Paulo II. Há de se ter em mente que a verdade de Cristo é a obra de Deus, e não conquista humana, é dom de Deus a ser partilhado, e não imposto. Por isso, torna-se necessário impostar a reflexão cristológica para o diálogo inter-religioso dentro de uma “humildade soteriológica” que retome a singular humanidade de Jesus.
Além disso, os cristãos de hoje são levados à preguiça e à indiferença se desconhecem que a universalidade da pessoa e da ação de Cristo se manifestou para nós numa particularidade situada e que foi sendo aos poucos explicitada pelos primeiros grandes teólogos do cristianismo, em penoso trabalho de reflexão teológica, de ação pastoral e de evangelização inculturada. Recebemos a verdade pronta, acabada, julgando que basta agora impô-la à força. Cruzam-se os braços, julgando que a obra da inculturação do Evangelho terminou com a tomada do Império Romano, com a cristianização de toda a civilização ocidental, com a conquista das maiorias para o rebanho da Igreja. Esquece-se que os primeiros tempos do cristianismo apresentaram a verdade do Evangelho tendo em conta o respeito por dois flancos de realidade: a particularidade situada de Jesus de Nazaré e as particularidades culturais, lingüísticas, filosóficas etc., igualmente situadas, nas quais o Evangelho ia sendo semeado.
Urge, portanto, partir da humanidade particular, concreta e empírica de Jesus de Nazaré para chegar à divindade de Jesus Cristo e à pretensão de seu significado universal. Nem os apóstolos, nem as primeiras comunidades cristãs experimentaram de modo explicito o encontro com a divindade em Jesus de Nazaré. De certa maneira, o próprio Jesus de Nazaré não sabia que era Deus. Foi no encontro com as obscuridades da vida e no diálogo amoroso e religioso com o Pai, que Jesus foi se dando conta de sua missão messiânica e de sua identidade divina”. [5]

E aí pode-se perguntar: por que a teologia é necessariamente pluralista?
Primeiro, pois o Mistério da fé é transcendente, superando infinitamente todo entendimento humano e não se esgotando jamais numa única forma de interpretação. Segundo, pois esse mesmo entendimento teológico é sempre contextual: está situado sem escapatória dentro de uma cultura determinada, sendo que o campo cultural é justamente o campo das variedades.
O pluralismo teológico é legítimo, necessário e inevitável.
O respeito ao diferente é legítimo, necessário e inevitável se você quer continuar acreditando e professando sua fé.


___________________

[1] VIGIL, José Maria. Teologia do Pluralismo Religioso – para uma releitura do cristianismo. São Paulo: Paulus, 2006.
[2] TAVARES, Emerson Sbardelotti. Utopia Poética. São Leopoldo: CEBI, 2007.
[3] NONO Encontro Intereclesial. São Paulo: Salesiana, 1996.
[4] CÍRCULOS Bíblicos. Sub-Regional do Espírito Santo: 1997.
[5] FELLER, Vitor Galdino. O Sentido da Salvação – Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005.

___________________

Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Estudante do Curso Superior de Teologia pelo Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO - TdL

Teologia da Libertação

(Revista História Viva - 2005)

J. B. Libanio

Parafraseando H. Vaz, a teologia da América Latina era uma teologia-reflexo. E com a TdL passou a ser considerada teologia-fonte, para seu próprio Continente, mas também para outros países e inclusive para a própria Europa.
Os teólogos latino-americanos seguiam quase exclusivamente a neoescolástica ensinada e ditada pela Universidade Gregoriana de Roma e ainda assim em tom menor. E depois da Conferência dos Bispos Latino-americanos em Medellín, Colômbia, em 1968, na esteira da liberdade aberta pelo Concílio Vaticano II, Gustavo Gutiérrez lançou o livro programático “Teología de la liberación” em 1971. A partir daí iniciou-se uma trajetória que prossegue até hoje com altos e baixos publicitários, com aceitação e rejeição eclesiástica, mas sempre coerente com a opção central de produzir uma teologia a partir da prática libertadora dos pobres.
A cultura midiática tem criado a consciência de que morreu, acabou, tudo o que deixou de ser notícia. A publicidade tornou-se o critério de realidade. E por isso, freqüentemente se pergunta se a TdL não desapareceu uma vez que já não se fala quase nada dela. De tempos em tempos, aparece alguma referência de soslaio. Entretanto, a publicidade nunca foi critério de relevância e verdade. Ela vive da emoção e da gigantesca rotatividade das notícias. A partir dela os juízos são superficiais. O fato de a TdL deixar de freqüentar as manchetes do mundo da mass media e das instâncias eclesiásticas não significa seu desaparecimento. Ela marcou e continua a marcar o universo teológico, a vida da Igreja e a sociedade.

O mundo teológico

A teologia católica dos últimos séculos se elaborou nas Faculdades teológicas romanas sob a forma escolástica e na Europa central em diálogo com a modernidade. Ambas se preocupavam quase exclusivamente com a intelecção da fé predominantemente para os estudantes de teologia e para quem se interessava diretamente por ela. Sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, alguns teólogos europeus assumiram discutir os temas teológicos em confronto com as questões que as ciências e as filosofias modernas levantavam. Permaneciam, no entanto, no nível da compreensão do significado da fé.
A originalidade da TdL consistiu em que ela modificou a pergunta de base. Não buscava uma simples melhor compreensão da fé cristã diante da problemática intelectual do momento presente. Quis ir mais longe. Foi antes de tudo, uma libertação da teologia dos moldes europeus para responder a nossa situação (J. L. Segundo). Por isso, ela parte dos problemas da América Latina.
O teólogo europeu se pergunta pela razoabilidade e plausibilidade da fé cristã para quem está imerso na cultura moderna. O teólogo da libertação desloca a questão: como crer num mundo de tanta injustiça e opressão? Como ser cristão nele?
Ao responder essa questão, modificou o método da teologia. Partiu da práxis entendida como ação transformadora da realidade social. Aí hauriu as perguntas. As respostas se orientaram também para a práxis do cristão. E por isso o teólogo sentiu-se necessitado de inserir-se, ele mesmo, nessa práxis e deixar sua teologia ser questionada por ela. Substituiu a figura do teólogo acadêmico europeu por um teólogo metido na pastoral. Uma “teologia pé no chão” (Cl. Boff), “uma teologia à escuta do povo” (L. Boff), uma “teologia da enxada” (J. Comblin).
Como a primeira teologia desde a periferia com método próprio questionou as outras, sobretudo quanto a suas implicações ideológicas, relevância social e caráter profético. De modo original e profundo, articulou fé e realidade social com mútuo enriquecimento. Os binômios, que simbolizam esse trabalho teórico exigente, traduzem bem a intenção fundamental da sua metodologia: fé e vida, Revelação e realidade, mística e militância, ortodoxia e ortopráxis, etc. Levantou a suspeita de que muita teologia produzida na Igreja é alienante e não provoca o cristão a um compromisso social. Nisso ela se tornou uma teologia-fonte e crítica para a Europa e, de modo especial, para o resto do Terceiro Mundo que necessitava de uma TdL.

A vida da Igreja

Sua influência na Igreja foi significativa. Num primeiro momento, na Igreja da América Latina e especialmente no Brasil. Ela alimentou as Comunidades eclesiais de base que surgiram na década de 60. Estas nasceram em íntima ligação com a leitura popular da Bíblia e com o compromisso com as lutas populares em busca de libertação. Existe atualmente uma rede de comunidades praticamente em todas as dioceses do Brasil e nos outros países da América Latina. "As CEBs constituem hoje, em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja e, por motivos diversos, vai despertando o interesse de outros setores da sociedade". Elas são "um novo modo de ser Igreja". "Fator de renovação interna e novo modo de a Igreja estar presente ao mundo, elas constituem, por certo, um fenômeno irreversível, senão nos detalhes de sua estruturação, ao menos no espírito que as anima". São afirmações de um documento oficial da Igreja do Brasil. Elas foram e ainda são sustentadas na fé pela TdL, traduzida em linguagem popular, e pela leitura militante da Escritura, segundo a metologia de um dos teólogos da libertação mais eminente: Carlos Mesters . Para ter-se idéia do alcance dessa presença, estudiosos contabilizam umas 100 mil CEBs envolvendo alguns milhões de fiéis.
A TdL influenciou a produção de textos importantes do magistério eclesiástico desde Medellín, quando nascia, até Santo Domingo em termos de Igreja da América Latina. No Brasil, documentos significativos do episcopado foram marcados pela TdL. Os temas mais importantes das Campanhas da Fraternidade por ocasião da Quaresma e as Diretrizes básicas da Pastoral do país não se entendem sem ela.
A repercussão foi além da América Latina. É fato inédito que uma teologia em tão pouco tempo tenha tido repercussões no próprio centro do Catolicismo. Roma se manifestou a respeito dela de uma maneira paradoxal. A imprensa projetou a idéia de que o Papa João Paulo II a condenara e que os processos contra L. Boff e G. Gutiérrez eram a prova cabal de tal condenação. A questão é mais complexa e matizada.
De fato, houve um documento da Congregação para a Doutrina da Fé que fez pesadas críticas à TdL. Lendo-o, porém, atentamente, percebe-se que ele não se dirige diretamente a nenhuma teologia concreta. Não condena nenhum teólogo da libertação. Ele descreve um tipo de teologia, a modo de modelo, sem dizer onde ele se realiza, e condena-o. A reação dos teólogos da libertação foi dizer que eles também não se identificavam com o modelo condenado e por isso não sentiam afetados pelo documento. E aí terminou a história.
Mais: para amenizar romanamente a questão vieram dois outros documentos. Um da mesma Congregação que também, em termos gerais, defende certo tipo de libertação. João Paulo II, para tirar a impressão de que Roma se opunha aos reclamos fundamentais da TdL, dirigiu uma mensagem ao episcopado brasileiro em que escreveu:: “estamos convencidos, nós e os Senhores (os bispos do Brasil), de que a TdL é não só oportuna mas útil e necessária”. Noutro lugar afirma uma tese central da TdL: “Os pobres deste País, que têm nos Senhores os seus Pastores, os pobres deste Continente são os primeiros a sentir urgente necessidade deste evangelho da libertação radical e integral. Sonegá-lo seria defraudá-los e desiludi-los” (João Paulo II, Mensagem aos Bispos do Brasil, São Paulo, Paulinas, 1986, n. 5 e 6.). No fundo, Roma aceitou as teses fundamentais da TdL, por serem evangélicas e segundo a melhor de sua Tradição: a opção pela libertação dos pobres, a dimensão social da fé e as expressões populares das comunidades de base.
Outra questão de atrito da TdL com setores da Igreja veio por causa do marxismo. A sua relação com ele tem nuanças. Rejeita o marxismo enquanto sistema global, ideologia e filosofia materialista. Assume dele o traço dialético e elementos da análise da sociedade. Críticas superficiais e sensacionalistas tentaram identificá-la grotescamente com o marxismo. Isso fazia parte do jogo ideológico de
setores conservadores tanto eclesiásticos como políticos.
A reserva, que o Vaticano II teve em relação ao marxismo, não veio de sua dimensão social, mas da forma atéia de sua realização e de sua visão do ser humano sem nenhuma transcendência. A queda do socialismo real confirmou a verdade da crítica da Igreja. Não surgiu naqueles países nenhum homem novo, mas lá estavam as mesmas corrupções e mazelas. Para bem da verdade, as mesmas críticas Roma tem em relação ao capitalismo por sua base materialista e compreensão do ser humano como ser de necessidades materiais. A Igreja institucional adverte para idêntica catástrofe nos países ricos.
Numa palavra, a TdL despertou a Igreja para o valor evangélico do compromisso libertador com os pobres numa linha para além do tradicional assistencialismo caridoso. Alimentou a prática pastoral de muitas Igrejas, comunidades e cristãos até o heroísmo do martírio.

A sociedade

Sua repercussão na sociedade sofreu oscilações. Houve um momento em que a mídia nacional e mundial atribuiu relevo à TdL, pois ela significou novidade e originalidade no mundo teológico. Além disso, ela exprimiu, em termos religiosos, reação crítica ao Regime militar do Brasil e aos de muitos outros países da América Latina, atraindo o apoio da imprensa liberal. Esta se tinha também alinhado a tal comportamento. Veio muito a calhar nesse processo liberalizante dar relevo à condenação de L. Boff, como exercício de prepotência por parte da Igreja institucional. Ao atacar-lhe tal atitude, fazia-o indiretamente ao Estado brasileiro, muito mais opressor e castrador com censuras e torturas.
Visto do lado da Igreja, estavam em jogo outras questões referentes, não diretamente à temática da libertação, mas à sua estrutura de governo. No entanto, tal mobilização da publicidade serviu para marcar mais a presença social da TdL.
O seu verdadeiro serviço crítico foi outro. Acima foi dito que ela alimentou as CEBs, fazendo que a dimensão libertadora lhes atravessasse a vida. Uma de suas originalidades foi articular a leitura da Escritura, as celebrações, muitos dos ministérios com as lutas populares, com os movimentos de melhoria das condições de vida e de trabalho. Elas tiveram certa importância no contexto social do Brasil. A jornalista H. Salem afirma que as CEBs foram o berço da grande maioria dos movimentos populares nascidos em São Paulo e que apressaram o fim do militarismo. E portanto, indiretamente está a TdL. Castelo Branco, na sua famosa coluna do Jornal do Brasil, dedicou espaço à relevância das CEBs nas campanhas eleitorais. Agentes de Pastoral do Pará comentavam que certo candidato ao Senado, conservador, de tradição e eleição garantida, foi derrotado pelo trabalho de formiga das CEBs.
O próprio surgimento do PT não se explica sem significativa presença da TdL. O MST, hoje considerado o movimento social de maior peso no país, e quem sabe, em todo Continente, teve seus inícios no seio da Igreja da libertação.
A TdL desbloqueou os cristãos para o compromisso social radical em nome da fé, mostrando que o maior problema da fé na América Latina não estava em questões dogmáticas, mas como enfrentar à sua luz a situação de opressão, de exploração das grandes massas populares. Os cristãos podiam, portanto, engajar-se no processo de libertação, motivados e iluminados pela fé. Não precisavam temer nenhuma contradição fundamental entre ela e a luta libertadora dos pobres.
Sua função não era organizar, nem programar as lutas pela libertação. Isso competia aos movimentos políticos. Mas motivar e iluminar o cristão com suas reflexões nessa luta, sustentando-lhes a fé. Pois vimos com tristeza no passado muitos cristãos que, ao engajarem-se na luta, a perderam. E isso porque viram oposição e não articulação entre fé e política, entre fé e luta libertadora, entre fé e compromisso social.
Mais. A TdL causou duplo impacto contraditório sobre a sociedade. Para os pobres, oprimidos e excluídos, tornou-se referencial indiscutível. Encontraram nela elementos e motivos de esperança para sua luta libertadora. Para outros segmentos da sociedade, foi o grande inimigo a ser combatido repressivamente até as raias do assassinato de seus protagonistas.

Situação atual

E agora qual é a sua situação? Conserva a opção fundamental de teologizar a partir da experiência de Deus nos pobres e de identificar-se com a causa deles. A queda do socialismo real deixou os pobres ainda mais desprovidos. O reinado solitário do neoliberalismo é-lhes desastroso. A TdL, expressão teológica da Igreja dos pobres, faz-se-lhes luz, fonte de esperança e utopia.
Novas questões surgiram vindas das ciências, da ecologia, da antropologia e de muitos novos movimentos sociais mundiais como desafios à TdL. Para respondê-los, ela precisou ultrapassar a leitura sócio-estrutural da realidade que até então fazia. Construiu uma teologia negra, indígena, feminista com originalidade e criatividade. Ao tocar questões culturais e antropológicas, atingiu raízes mais profundas da dominação e, por conseguinte, percebeu melhor a exigência de uma cultura da solidariedade, da partilha, do respeito às diferenças, da colaboração a partir das vítimas da história. Em comunhão com o movimento ecológico, mostrou a articulação entre o grito dos pobres e o grito da Terra. Ampliou assim o horizonte de uma visão puramente ambientalista para uma ecologia social, mental e integral.
Mais recentemente, a TdL tem enfrentado o desafio do fenômeno religioso da pós-modernidade que exaspera a subjetividade e levanta uma onda espiritualista de corte alienante. Toca-lhe recuperar a seiva espiritual e mística que a alimentou desde os inícios e propor verdadeira espiritualidade da libertação. Esta vem cobrir-lhe o déficit espiritual e afetivo. Compromisso libertador, mística e afetividade: os três ingredientes da atual TdL.